A dimensão contemplativa do estudo bíblico

A dimensão contemplativa do estudo bíblico

Dando continuidade ao nosso estudo sobre a Importância do Estudo Bíblico vejamos os pormenores desta 2ª parte:

por Ir. Ayla L. Pinheiro, NJ*

Sabemos que a vida contemplativa cristã é tão antiga quanto a Igreja, ela faz parte da Tradição das Comunidades Cristãs e se manifestou de várias formas na história. Orígenes dizia que temos que ser como Rebeca: todos os dias voltar à fonte, que é a Escritura. E, o que não conseguirmos com nosso esforço, devemos pedir em oração, “pois é absolutamente necessário rezar para poder compreender as coisas divinas”. Deste modo, “chegaremos a experimentar o que esperamos e meditamos”[3] .

O estudioso da Bíblia deverá fazer a experiência da contemplação, porque Deus, como autor da Bíblia, é quem nos dará a explicação mais plena sobre sua Palavra, e o que ela tem a nos dizer hoje. Guido, um monge Cartuxo, escreveu um livro intitulado A escada dos Monges. Este livro apareceu por volta de 1150 e procurava partilhar com seus leitores a vida espiritual dos monges. Ali, Guido dizia que a “contemplação é uma elevação da mente sobre si mesma que, suspensa em Deus, saboreia as alegrias da doçura eterna”[4] .

E o profeta Ezequiel nos mostra esta doçura quando fala da sua vocação. Podemos resumir no seguinte:
– pedido para escutar (Ez 2,8)
– para não ser rebelde (Ez 2,8)
– para abrir a boca (Ez 2,8)
– para comer o livro (Az 2,8-9)
– para depois de comer, falar (Ez 3,1)

O Profeta estava com o rosto por terra quando ouviu o Senhor (a voz) Ez 1,28c. Mas foi lhe ordenado que ficasse de pé (2,1) em atitude de prontidão como mensageiro diante do Rei, que ao ouvir a mensagem sai apressadamente a transmiti-la, exatamente como fez Maria a Isabel.

A contemplação é muito mais que dirigir orações a Deus, é alimentar o ventre e saciar as entranhas com o Livro que é doce na boca (Ez 3,3). É ter a Palavra nas entranhas como Maria.É escutar com os ouvidos e receber com o coração (Ez 3,10).

Assim a Palavra passa da cabeça para o coração. O sal da Palavra desaparece na própria vida e dando-lhe sabor, concede àquele que contempla ver todas as coisas com o olhar de Deus[5] e deste novo olhar nasce uma ação totalmente nova que é alimento e salvação para o povo de Deus hoje.

Esta identificação com a Palavra “suspende tudo, relativiza tudo”[6 ]e antecipa o gozo escatológico.

Desta forma, faz parte da contemplação da Nova Jerusalém a perseverança quando não se vêem os frutos da proclamação da Palavra e sim sua rejeição (Ez 3,4-11). Também faz parte dela reconhecer o valor do irmão que é tão diferente e, ao mesmo tempo, tão necessário, para que todos juntos vão formando o Corpo de Cristo vivo. Quanto mais buscamos água nesta fonte que é a bíblia, mais ela jorra sem nunca secar, sem nunca se esgotar.

Atingir os mais altos graus da contemplação é como subir num prédio. Quanto mais alto estamos, mais temos a visão do todo e mais nos conscientizamos que ainda é pouco e que há muito mais ainda para ser visto[7] . Esta imagem do prédio pode ser substituída pela de um Iceberg que deixa apenas uma pontinha fora d’água. Quanto mais mergulhamos, mais percebemos a montanha submersa.

Por isso, à medida que vai se identificando com a Palavra, pela contemplação que a leva até as entranhas (Ezequiel), mais o membro da Nova Jerusalém torna-se humilde. Ele se sente pequeno diante do que contempla.

No livro do Apocalipse (Ap 10), este texto de Ezequiel é retomado, mas o vidente é alertado que o livro lhe será amargo no estômago. Não podemos esquecer que este trecho visa introduzir a visão central do Apocalipse, a luta entre o Bem e o Mal, simbolizados pela Mulher e o Dragão, que culmina com a derrota do Mal e a vinda da Nova Jerusalém. Desta forma o objetivo de comer o livro é para que o Vidente possa “profetizar ainda contra muitos povos e nações, línguas e reis” (Ap 10,11). Portanto, no tempo que ainda nos resta aquele que come o livro seja capaz de exercer a missão de pregar, mesmo que isto seja amargo, até a vinda do Cristo.

 

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

 

 

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