O tesouro do Reino: discernir e preferir (Mt 13,44-52)
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
O trecho do evangelho de hoje traz mais uma série de parábolas sobre o Reino dos céus (ou de Deus).
Primeiramente, o Reino é comparado a um tesouro escondido em um campo e encontrado por um homem (v.44). Algumas coisas são afirmadas sobre esse personagem:
– ele encontrou o tesouro
– ele o escondeu novamente
– ele ficou muito feliz (transbordando de alegria)
– ele vendeu tudo que tinha porque preferiu o tesouro
– ele não podia comprar o tesouro, mas apenas o campo onde o encontrou
A estranheza nesse texto do evangelho é a atitude desonesta do homem. Conforme a Torah (o Pentateuco), ele tinha o dever de informar a descoberta para o dono do campo. Esse elemento que choca o nosso senso ético tem o propósito de chamar a nossa atenção para o significado espiritual. As parábolas fazem uma comparação entre a realidade espiritual e a realidade material. O elemento estranho serve para assegurar que a realidade do Reino é incomparável, está muito além do que podemos imaginar. Essa transação comercial não seria possível naquela época nas condições descritas pela parábola. O elemento estranho serve para implodir a estorinha depois de narrada, para que fiquemos apenas com o ensinamento.
E qual é o ensinamento da parábola? Que quando alguém encontra o Reino, mesmo sem o ter procurado, fica tão feliz a ponto de preferi-lo a qualquer coisa. Tudo se torna relativo em comparação com o Reino. Mas quem olha de fora, sem ter feito a experiência com Jesus, não entende os motivos da renúncia e do desprendimento, o Reino permanece invisível para quem não o encontrou. Ensina também que ninguém tem mérito para possuir o Reino, ele nos é dado por Jesus, nós não podemos comprá-lo, mas apenas renunciar a tudo por ele.
A segunda parábola (v. 45-46) está na mesma linha de reflexão que a primeira. A diferença principal é que a pérola de grande valor foi encontrada por alguém que se esforçava em procurá-la (grego: zetéo). Encontrar o Reino é resposta a uma busca insistente pelo Bem, pela Verdade e pelos demais valores que são alvos dos anseios humanos.
Um detalhe importante e não narrado, mas suposto, é que a formação da pérola se dá somente quando a ostra é ferida. Quando um corpo estranho (geralmente um grão de areia) consegue penetrar na concha, a ostra o isola para se defender. A pérola é consequência dessa defesa, é a lágrima da ostra ferida. O que começou como um desastre para a ostra pode se transformar na jóia mais bonita.
A terceira é a parábola da rede (v. 47-50). O termo grego “sagéne” é dado para um equipamento de pesca semelhante a uma draga no fundo do lago arrastada pelo barco e que recolhe todo tipo de coisa.
O ensinamento é o mesmo da parábola do joio. Até que chegue o final dos tempos, os bons e os maus devem conviver. Os que buscam o Reino devem ter misericórdia para com aqueles que não o buscam ainda. A rede está varrendo o fundo desse lago e ninguém escapa dela. Alguns ainda estão no início do processo de amadurecimento, outros já fizeram grandes renúncias. Mas estamos todos juntos, na mesma rede.
Não nos assustemos com a menção da fornalha (v.50), não devemos entendê-la de forma literal, ainda se trata de uma comparação e com o objetivo de retomar a parábola do joio (v. 42). A fornalha é onde se purifica o metal como o ouro e a prata dos quais se retiram as impurezas. É verdade que a purificação dói, mas também é verdade que ela nos torna valiosos, dignos da vocação que recebemos.
“Compreendestes tudo isto? Sim, Senhor, responderam eles” (v. 51).
Se compreendermos que o Reino exige escolhas e que devemos tomar decisões difíceis por causa dele. Que a felicidade do Reino não vem em curto prazo. Que uma lágrima pode se tornar uma pérola de grande valor. Se compreendermos que Jesus foi o primeiro a renunciar seus privilégios para se encarnar em nosso meio. Se entendermos que o tipo de morte que ele sofreu era o pior que poderia acontecer a um ser humano. Se compreendermos que ele não fez tudo isso apenas pelos bons, mas principalmente pelos piores pecadores. Enfim, se compreendermos tudo isso, não intelectualmente, mas com o coração e a vida, é sinal de que já somo doutores no evangelho, somos escribas instruídos do Reino. Saberemos tirar do velho depósito da primeira fase da revelação (Antigo Testamento) a novidade da Palavra de Deus sempre atual.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.