1ª MEDITAÇÃO:
“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (Mc 8,34b)
Introdução
O Evangelho segundo Marcos é perpassado pelo Segredo Messiânico. Todos querem saber “Quem é Jesus”, enquanto o Mestre “não quer ser descoberto” como Messias. Os discípulos ainda não estão preparados e precisam caminhar um pouco mais e experimentar o Mistério Pascal de Cristo, para que tudo o que aprenderam faça sentido em sua caminhada.
Finalmente a partir de Mc 8,27, o próprio Jesus indaga os discípulos acerca do que dizem sobre Ele. A profissão de Pedro “Tu és o Cristo” (Mc 8,29) atinge o ápice da revelação da identidade de Jesus. Mas, será que Pedro e os discípulos sabem que tipo de Messias é Jesus? Como se desenvolverá seu plano salvífico? O que os espera? O trecho que meditaremos, aprofunda um caminho que culminará no mistério Pascal de Cristo. Somos chamados nesse início de quaresma a arraigar a identidade do Mestre e a nossa de discípulos para assumirmos decididamente a missão a qual nos foi confiada.
Comentário bíblico-teológico (Mc 8,31 – 9,1)
No início do texto Jesus já apresenta que tipo de Messias Ele é, para que toda falsa concepção sobre sua pessoa seja banida. O discípulo não pode evitar em sua vida o mesmo destino do Mestre. Assim, no v. 31 são apresentados quatro verbos que definem o que acontecerá com Ele:
1) Sofrer porque assume o sofrimento de Israel e de toda humanidade por amor;
2) Ser rejeitado pelas autoridades judaicas (anciãos, sumos sacerdotes e escribas), aqueles que deveriam compreender as profecias e reconhecer o Messias, mas a dureza de seus corações não o permitiram;
3) Ser morto, aniquilado de forma cruenta e humilhante na cruz;
4) Ressuscitar, depois de três dias, não só vencendo a morte, mas elevando a condição do ser humano de pecador à filho de Deus. Liberta-o de todo o pecado e oferece-o uma vida plena.
O v. 32 apresenta a contraposição entre as ações de Jesus e de Pedro. Enquanto o Mestre fala disso livre e abertamente a todos, Simão o chama à parte para repreendê-lo. A idéia de Messias que Jesus apresenta é dura e fora dos padrões. Perder o Mestre não está nos planos de Pedro.
No v. 33, Jesus repreende-o, não à parte, mas olhando também para os discípulos. É preciso não só exortar o líder, mas todos os que irão dar continuidade à missão. A expressão “vai para trás de mim” é uma chamada a Pedro e aos discípulos para retomarem seu lugar: deixar Deus e seu Filho, o Messias, o Mestre, estar à frente pra conduzir. Aqui há outra contraposição entre “estar na mente”, ou no “íntimo do ser”, as coisas de Deus X as coisas dos homens. Deus conhece profundamente o coração do ser humano e por isso, sua vontade nunca o tornará infeliz, mas pleno e completo. É mais que obedecer a uma “vontade” externa imposta por um ditador, mas assumir aquilo que há de mais profundo e verdadeiro dentro de nós e que é conhecido e revelado por Deus.
O v. 34 abre uma segunda cena. Jesus “chama para si” a multidão com os discípulos. É da multidão que sairá os discípulos. Por isso o discurso é para todos. Mais que um simples chamado, é um convite a todos para ouvir atentamente e guardar profundamente aquilo que está sendo falado. É ouvir com o coração.
A fala é composta de quatro ações e começa com uma proposta: 1ª) “Se alguém deseja acompanhar após mim”: essa é a postura do discípulo, sempre deixando ser guiado pelo Mestre e para isso, deve seguir seus passos, sempre atrás dele; 2ª) “Negue-se a si mesmo”: essa é a condição para estar atrás do Mestre; não é negar sua identidade, mas a superficialidade dela. Por isso o discípulo é chamado a confrontar-se e negar a estar na margem e avançar para o profundo de si com a ajuda do Mestre. 3ª) “Tome a sua cruz”: não assumir o sofrimento por si, como muitos pensam, mas assumir a ação salvífica de Deus que perpassa inclusive o sofrimento. Cruz, mais que sinal de sofrimento, é ato de salvação por um amor-doação até o fim (Rm 4,24-25; 6,4-5; 2Cor 4,10-11). 4ª) “Siga-me”: depois de todo esse processo, o discípulo terá condição de sair da multidão e se efetivar seu chamado como seguidor. Será aquele que acompanha o Mestre.
Jesus amplia seu discurso no v. 35, colocando em contraposição “salvar” X “perder”. Quem desejar salvar a vida por si mesmo, vai perdê-la, porque precisa da intervenção poderosa da mão de Deus. Por mais que se esforce, ficará cansado. Como um barco sendo remado contra o vento, Ou alguém encurralado num buraco querendo sair sozinho… Quem perde sua vida por causa de Jesus e do Evangelho é porque já foi encontrado pela sua ação salvífica. Já experimentou o amor constrangedor de Deus que olha profundamente e o chama para doar-se e realizar-se como ser humano. Confia e por isso se deixar levar pelo vento… já não precisa remar, porque ele o conduzirá… Nem pular em vão na tentativa de sair do buraco, mas apenas estender a mão para ser salvo gratuitamente por aquele que o ama…
O v. 36 prossegue a idéia com outra contradição: ganhar o mundo inteiro X ser danificada/arruinar a vida. A busca de querer preencher um vazio ganhando o mundo inteiro, acumulando bens e outras coisas, acaba arruinando a vida. Ela se desgasta e não encontra seu verdadeiro sentido. O que fazer para recuperar? É o que v. 37 diz: “O que dará o ser humano pelo resgate da vida dele?” O Sl 49,8-10 afirma que ninguém é capaz de pagar a Deus o preço de seu resgate. Logo, resta confiar e aderir à gratuita salvação que vem do próprio Deus.
Diante de uma experiência tão forte, como negar e se envergonhar Daquele que resgatou e ensinou com autoridade com palavras de vida eterna? A geração “adúltera e pecadora” jamais deve fazer o discípulo recuar (v. 38). Os desafios da missão devem ser enfrentados para que os discípulos vejam o “Reino de Deus chegar com poder” (Mc 9,1).
Pistas para nossa caminhada hoje
Estamos imersos num mundo cheio de mazelas e sofrimentos. Sofremos com e como o Messias. Somos rejeitados por aqueles que fecham o coração para a Palavra de Deus e muitas vezes desanimamos por isso. Chegamos a nos deparar com situações de morte, diante de nossas crises pessoais assim como as crises comunitárias e humanitárias. Mas nossa caminhada aponta para a ressurreição. Não somente após a morte, mas já aqui experimentando a graça de Jesus Crucificado-Ressuscitado.
Diante de tantos absurdos, dúvidas e inquietações, pensamos que há uma luta intermitente entre a vontade de Deus e a nossa. Queremos segurança e Jesus afirma não ter onde reclinar a cabeça (Mt 8,20). Queremos controlar nossa vida, acompanhar o Mestre passando à sua frente nas nossas decisões e nas formas de enfrentar os desafios. Mas nem sempre um “vai para trás de mim” soa tão claro. É preciso experimentar muitas vezes situações de impotência, para permitir que a potência de Deus aja em nossa vida.
Neste início de Quaresma, deixemos ser seduzidos pelo Mestre que conta conosco para acompanhá-lo na desafiante missão. Sigamos seus passos estando sempre atrás Dele que nos guia no caminho que culmina em nosso verdadeiro sentido de vida.
Questões para refletir, aprofundar e rezar
- Como você compreende a vontade de Deus e a sua vontade? Consegue apresentar o que você deseja, sonhos, projetos, medos, frustrações, inquietações que perpassam sua caminhada de fé?
- A renúncia a si mesmo é muito desafiante porque muitas vezes nos desestabiliza. O que você precisa renunciar? Ou melhor o que você precisa entregar para ser uma pessoa livre capaz de seguir o Mestre?
- O que Jesus precisa tocar em você com o poder salvífico da cruz? O que impede de tomá-la para experimentar isso?
- Que pequenos gestos concretos podemos praticar para manifestar e também nos ajudar no seguimento de nossa caminhada cristã?
Por Pe. Jackson Câmara Silva, INJ