Roteiro homilético 18º DOMINGO COMUM

Roteiro homilético 18º DOMINGO COMUM

DEUS-LHES A COMER O PÃO DO CÉU

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, NJ*

 (originalmente retirado da revista Vida Pastoral, Paulus )

I. INTRODUÇÃO GERAL

Continuando com o tema do sinal do pão, a liturgia de hoje – e nos domingos seguintes – centra-se no discurso de Jesus sobre o “pão da vida” ou “pão do céu”.

Através do maná (pela manhã) e das codornizes (à tarde) Deus sustentava a vida do povo no deserto. Apesar da benevolência de Deus, o povo não mudava de atitude, não parava de murmurar e de preferir a antiga vida de escravidão à vida nova com dignidade dada por Deus. É bem adequada a exortação da carta aos Efésios a que os cristãos não tornem a proceder como antigamente na futilidade de pensamentos “foi bem outra coisa foi o que aprendeste de Cristo” (Ef 4,20).

 II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (João 6, 24-35): Eu sou o pão da vida

A multidão está à procura de Jesus, movida não pelo que aponta o sinal do pão, mas pelo interesse pessoal de saciar a fome. Por isso, Jesus reprova a multidão que não o busca por ele mesmo. Ele chama a atenção para que a multidão se emprenhe mais pelo alimento que permanece, e não apenas pelo alimento perecível, esse empenho deve ocupar a vida do cristão em sua totalidade.  O verdadeiro alimento é Jesus que dá a vida eterna àqueles que o buscam. Vida eterna significa uma existência reconciliada com Deus. Por isso, essa vida inicia-se já aqui na história.

Movido pelo interesse pessoal, a multidão pede a Jesus que realize a obra de Deus, mas não sabe a profundidade do pedido que faz. A obra que Deus quer realizar é que o ser humano busque a Jesus (v.29), o caminho para Deus. E buscar Deus significa abandonar-se incondicionalmente ao seu amor e à sua vontade. Por isso, a multidão não compreende o alcance de seu pedido, porque se nega a fazer a vontade de Deus, que é crer naquele que ele enviou.

O pedido do sinal também revela a incapacidade de enxergar, porque viram o sinal mas, como não tem fé, não viram a ação de Deus. E os sinais que a multidão pede devem superar os milagres realizados no antigo Israel, milagres que legitimam suas pretensões messiânicas. Para isso recordam o prodígio do êxodo, quando Moisés alimentou o povo no deserto com o maná. A isso Jesus responde, mostrando que o verdadeiro pão do céu quem dá é o Pai. E o pão do céu é o próprio Jesus, que veio dar a vida eterna. Esse sinal revela o messianismo de Jesus, a multidão não precisa então de outro sinal.

Contudo, a multidão continua sem compreender o sinal, porque pede a Jesus que dê lhe sempre deste pão. Não entendem o verdadeiro alcance de suas palavras. A resposta de Jesus é semelhante a que foi dada à Samaritana (6,35): quem vai a Jesus nunca mais terá fome nem sede.

No deserto o povo foi alimentado com o maná e teve a sede saciada com a água que saiu da rocha. Mas o povo morreu, isto mostra que aquelas realidades antigas eram apenas uma prefiguração de Jesus, o enviado de Deus, que oferece o verdadeiro alimento e sacia totalmente a sede que a criatura tem de seu Criador.

 2. I leitura (Êxodo 16,2-4.12-15): Farei chover pão do céu para vós

A leitura afirma que “toda a comunidade dos israelitas murmurava” (v. 2). Isso significa que todos estavam de acordo sobre um ponto: era melhor ser escravo no Egito e ter o que comer que ser livre e passar fome. A comunidade formava uma multidão interesseira. O povo rapidamente esqueceu que havia chorado sob os açoites dos feitores egípcios e que clamaram a Deus pedindo que o libertasse. Após a libertação, os israelitas lembravam do cheiro e do gosto dos temperos nos cozidos de carne, mas haviam esquecido as chicotadas dos feitores e o trabalho forçado. A que preço, anteriormente, comeram aquele alimento sem ter direito à vida e à dignidade, correndo risco de morte a cada instante.

Nas reclamações dos israelitas há uma acusação contra o Senhor: “Por que nos trouxe o Senhor a este deserto? Para matar de fome toda esta gente” (v.3). Conforme essas palavras não há diferença entre Deus e o faraó, pois ambos armam ciladas para destruir o povo. No entanto, na literatura judaica o faraó e o Egito simbolizam a ausência de respeito à vida e à dignidade humana, significam opressão e escravidão. Ambos são a negação da vida e do Reino de Deus.

O faraó é o contrário de Deus e de seu projeto salvífico. O povo necessita mudar de mentalidade e de atitude. O Senhor não intenta matar Israel no deserto. Na dureza da vida no deserto o povo é cuidado por Deus como os pais cuidam de seus bebês. Os israelitas foram levados ao deserto para fazer a experiência de serem amados e cuidados por Deus, já que no Egito tinham experimentado apenas o rigor da servidão. Os israelitas conheciam apenas o faraó como senhor, agora necessitavam saber quem era Deus. Eles foram alimentados e cuidados no deserto para que tivessem uma experiência diferente: “Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus” (v.12).

 3. II leitura (Efésios 4,17.20-24): Aquele que desceu do céu

O apóstolo faz com que os efésios se recordem do que eles eram antes de se converterem, ou seja, da maneira como viviam e como os gentios ao redor deles ainda procediam. Na bíblia a vida é freqüentemente comparada a uma jornada e por isso o apóstolo diz que os cristãos não devem caminhar como antigamente o faziam e como ainda fazem os seus conterrâneos.

Os gentios se comportam com “vaidade” de mente, afirma o texto. A palavra “vaidade” nas Escrituras significa “vacuidade” e denota um mal no âmbito da moral. Na bíblia, comumente esse termo é aplicado aos que adoraram ídolos vãos, em contraposição a quem conhece o Deus vivo e verdadeiro. Para religiões tão diferentes, comportamentos humanos igualmente são muito diferentes, os efésios precisam saber disso e mudar de atitude.

O homem vão é aquele que caminha de acordo com os próprios interesses, mas coisa muito diferente foi ensinada aos cristãos. Cristo ensinou que a religião exige abandono total no curso da vida.

Com ironia sutil o texto diz: “se é que ouvistes falar de Cristo e nele fostes instruídos” (v. 21). Quem escuta atentamente as instruções de Cristo sabe qual é o verdadeiro propósito da “religião” (relacionamento com Deus). A respeito da conduta anterior ou dos hábitos de vida, os cristãos devem deixar de lado tudo o que pertence a uma natureza egoísta.

O Filho de Deus, que desceu do céu conviver conosco, nos instrui sobre o que agrada a Deus, essa instrução ele nos deu com a sua própria vida. Jesus nos mostrou como vive um verdadeiro filho de Deus. E isso não é algo que esteja além dos limites humanos. Jesus mostrou que é possível ao ser humano descentrar-se dos próprios interesses e identificar a própria vontade com a vontade de Deus.

 III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Já que estamos iniciando o mês das vocações é bom ressaltar o seguinte:

Há pessoas que fazem da religião uma fonte de lucro ou de privilégios pessoais, usando-a para o conforto e prosperidade pessoal.

Os hebreus eram escravos no Egito e deles recebiam apenas pão para a própria sobrevivência. Livres no deserto eles querem continuar no mesmo esquema: Deus teria que alimentá-los. Mas Deus queria ter com eles um relacionamento que não se baseia na troca de favores.

O Deus de Jesus Cristo é diferente do faraó e dos deuses antigos dos efésios, ele liberta da escravidão do pecado e do egoísmo. Deus é livre, ele não se deixa manipular em favor de interesses egoístas. Deus cuida dos seres humanos porque ele é bom.

Hoje cresce o número de pessoas que busca o sagrado porque quer um emprego, um companheiro, cursar uma universidade etc. Não buscam a Deus, buscam milagres e curas. Os santos, no entanto, buscavam a Deus por ele mesmo e não por causa do que lucrariam com a religião. Eles entenderam a instrução de Jesus e trabalharam pelo pão que não perece e que permanece até a vida eterna (Jo 6,27).

 

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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