Roteiro homilético 17º DOMINGO COMUM

Roteiro homilético 17º DOMINGO COMUM

O QUE TEMOS É TÃO POUCO, SENHOR, MAS TU ÉS TÃO RICO EM MISERICÓRDIA

Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, NJ*

 (originalmente retirado da revista Vida Pastoral, Paulus )

I. INTRODUÇÃO GERAL

Na primeira leitura o milagre de Eliseu é uma prefiguração do sinal realizado por Jesus, a multiplicação dos pães. E esse sinal, por sua vez aponta para uma realidade maior a Eucaristia, fonte e ápice da comunhão entre os seguidores do Messias. Nutridos por um só pão, o Corpo do Senhor, os fiéis formam um só corpo místico de Cristo. Essa realidade é o fundamento da comunhão e da práxis cristã mencionada na epístola aos Efésios quando se exorta os fiéis a “conservar a unidade do espírito no vínculo da paz”. Essa comunhão não é semelhante a um sindicato nem a uma cooperativa, ela é ação de Deus em nós e se traduz em serviço que ultrapassa as fronteiras da igreja como instituição. Estamos a serviço da construção de um mundo mais fraterno, não importa quão pouco somos ou temos a contribuir. Cada um deve fazer a sua parte e esperar que Deus faça a dele.

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (João 6,1-15): Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribuiu-os entre eles

No evangelho de João Jesus realiza muitos sinais que apontam para a ação de Deus através da missão messiânica. No texto de hoje Jesus realiza o sinal do pão, muito significativo para a compreensão de sua identidade e de sua missão. O ambiente em que a cena se desenrola é importante a compreensão da importância e do alcance da mensagem veiculada por este sinal.

A Páscoa estava próxima, Jesus subiu à Montanha e sentou-se. Estes três elementos nos mostram Jesus como o Mestre. A montanha é o lugar da revelação divina, onde Moisés recebeu a Lei, a instrução para o povo. O sentar-se é atitude própria do mestre quando vai ensinar seus discípulos. E, por último, a menção à Páscoa nos indica qual o ensinamento que Jesus quer transmitir: é um ensinamento novo realizado através do sinal do pão.

Antes do sinal há uma instrução aos discípulos através da pergunta sobre como se pode resolver o problema de alimentar a multidão. Esse tipo de pergunta é própria do mestre cujo objetivo é chamar a atenção do discípulo para o ensinamento quer transmitir. E, primeiramente, o que Jesus quer ressaltar é o reconhecimento do que é ofertado: é pouco, mas há docilidade para a oferta. O ofertante é anônimo, o que pressupõe qualquer pessoa pode ofertar algo a Deus e, através de uma oferta simples, mediar a ação de Deus em prol da salvação do mundo.

O sinal aqui apresentado é a eucaristia, retratada nas palavras da tradição: “tomou os pães e, depois de ter dado graças, os distribuiu” (v.11) e, em outro texto (Jo 6,23) quando se menciona que há um único pão.

A distribuição do pão feita pelos discípulos significa que os mesmos devem difundir o que receberam do Senhor: o batismo, representado pelo “peixe” e a eucaristia, “os pães”. Essas realidade sacramentais são as fontes da pertença à comunidade e da vida cristã.

Após se fartarem, os discípulos juntaram doze cestos, o suficiente para alimentar todo o Israel, a quem deveria ser primeiramente anunciado o evangelho. A menção de que nada deve se perder alude a Jo 6,39 quando se afirma que não se perca nenhum daqueles que pertencem a Jesus.

As pessoas ficaram admiradas, mas não foram capazes de entender o sinal do pão. O reconhecimento de Jesus como o profeta que devia vir ao mundo, refere-se à esperança de um messias semelhante a Moisés, alguém que os libertaria do poder político do império romano, da mesma forma que Moisés havia libertado o povo da opressão do faraó do Egito.

Como no passado, ainda hoje se faz necessário entender esse sinal para compreender a vida e missão de Jesus. Jesus condensou a sua vida no sinal do pão. Como o trigo é triturado para fazer o pão, Jesus é o trigo triturado que gera vida plena. Sua oferta de vida, sua entrega plena na cruz, é sinal do amor de Deus pela humanidade. Por isso, Batismo e Eucaristia são oferecidos a todos como caminho para a salvação. Por eles, somos inseridos no mistério da vida, morte e ressurreição de Jesus. Somos feitos participantes dessa vida de entrega por amor que gera vida plena.

A opção por Jesus, por sua vida, requer que cada cristão saia do comodismo, pois a menor de nossas atitudes, por mais irrisória que seja diante dos desafios, é aceita como oferta generosa, em favor da realização do bem maior que é o amor pleno de Deus que gera salvação para o mundo.

Assim como Jesus triturou sua vida, ofertando-nos no pão, somos chamados pela nossa participação na mesa eucarística, a fazer o mesmo que Jesus, ofertar nossa vida, para que ninguém se perca, mas todos ressuscitem no último dia.

2. I leitura (II Reis 4,42-44): comeram, e ainda sobrou, conforme a palavra do SENHOR

Os pães que o homem trouxe para Eliseu era uma oferenda a Deus a ser entregue pelas mãos do profeta. Eram pães feitos com as primícias, isto é, com os primeiros e melhores grãos da colheita. O texto menciona um homem, uma pessoa anônima, saber o nome dele não tem importância, se essa narrativa chegou até nossos dias deve-se ao seu gesto de partilha e à ação de Deus em resposta a aquele gesto.

Há uma ordem do profeta para que o ofertante distribua os pães ao povo. É uma ordem estranha porque o homem reconhece que tem tão pouco para ofertar e há tanta gente para alimentar. O profeta reitera a ordem agora assegurando através de uma profecia que Deus fará com que todos sejam saciados e que ainda sobrará. A palavra dita pelo profeta foi finalmente cumprida quando o ofertante mudou o foco dos próprios pensamentos, deixou de centralizar-se na consideração do pouco que tinha e passou a confiar na ação de Deus.

Durante séculos os sábios de Israel viram nesta passagem bíblica não apenas a providência de Deus, mas a importância da participação humana, apesar de ter pouco a oferecer, na obra conjunta com Deus. A partilha é a efetivação da vocação humana à comunhão fraterna. Todo gesto de partilha não passará sem uma resposta de Deus.

 3. II leitura (Efésios 4,1-6): Num só corpo

A partir do capítulo quatro a carta aos Efésios começa uma grande exortação sobre o que vem a ser a vida cristã na prática. No texto de hoje os cristãos devem levar uma vida digna da vocação que receberam: ser outro cristo. A vida cristã é regida por valores que são totalmente diferentes daqueles que orientam a sociedade de ontem e de hoje.

Suportai-vos uns aos outros no amor” (v.2) significa que o amor de cada um ao seu próximo deve ser o suporte para que ninguém venha a cair. “Pelo vínculo da paz” quer dizer que o Shalom é o elo que nos mantém unidos no mesmo espírito. O Shalom não significa concordar sempre com as idéias dos outros ou que nunca haja atritos entre nós. Significa que o outro pode contar comigo sempre, embora pensemos bem diferente um do outro.

Somos distintos, mas formamos um só corpo. Estamos conectados existencialmente, pois o Pai está “no meio de nós e em cada um de nós” (v.6). Não é possível seguir Jesus a não ser entrando nessa comunhão. “Há um só corpo”, o egoísmo seqüestra a dignidade da vocação à comunhão a qual se efetiza em gestos concretos no dia-a-dia.

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Todo aquele que tem uma autêntica experiência com Deus torna-se mais preocupado com o ser humano e mais dócil à ação divina. Quem tem um verdadeiro encontro com Deus coloca-se a serviço dele em favor do próximo. A mesquinharia, o egoísmo e o indiferentismo são sinais de que a pessoa que assim procede está longe de ser religiosa no sentido exato desta palavra, ou seja, de estar ligado a Deus. Em vez de servir a Deus servindo o próximo, muitas pessoas são, de fato, usurpadores do sagrado, ou seja, usam a religião em benefício dos próprios interesses.

É louvável que a homilia incentive a cada um a fazer sua parte, a não ser indiferente às necessidades das pessoas nem à vontade de Deus. Ainda há muitos necessitados em nosso meio, isto é sinal de que há muito ainda a ser feito para que possamos dizer com toda certeza que vivemos em comunhão. Aproximar-se da mesa eucarística com um coração indiferente às necessidades alheias é uma ofensa à misericórdia de Deus.

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.

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