A Comunidade testemunha a Ressurreição
Glêvison Felipe L. Sousa*
Iluminado pelo Evangelho de hoje, o centro da liturgia é a fé no Ressuscitado. Essa fé pascal vai se manifestando em todos os domingos do ano litúrgico, na densidade da profissão de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”. Reunidos para celebrar a Páscoa, sabemos que o Mestre está vivo, mas nosso encontro se dá no horizonte mistagógico dos que creem, mesmo sem ver. Essa experiência do Ressuscitado ultrapassa o limiar dos sentidos “tocar” e “ver”, tornando-se uma experiência de introdução no mistério pascal, que nos impulsiona missionariamente ao anúncio evangelizador (1Jo 1,1-4). A comunidade reunida ao redor do altar do Senhor é sinal da presença do Ressuscitado que se manifesta na comunhão da assembleia, lugar da vivência da fé cristã.
1ª Leitura (At 4,32-35)
Este segundo sumário dos Atos dos Apóstolos, descrevendo a comunidade primitiva, desenvolve o tema da comunhão dos bens. A verdadeira comunhão (koinonia) só é possível se tudo é posto em comum. Mais adiante, no v.36, há o relato onde Barnabé vende o seu terreno e coloca o dinheiro em comum. Esse ato de colocar os bens em comum tem sentido numa atitude de gratuidade. O que se exige do cristão não é a miséria, mas a disponibilidade em ajudar os necessitados. Lucas, autor dos Atos dos Apóstolos, faz-nos perceber que testemunhar a ressurreição de Jesus implica “ter tudo em comum”, não apenas os bens materiais, mas a própria vida. Onde se põe tudo em comum e não há necessitados, aí a ressurreição é testemunhada. Pobreza significa não colocar a esperança nos bens que, embora necessários à vida, são instrumentos para realizar valores mais elevados e dignos do homem. O espírito de pobreza leva o cristão a opções de vida que o aproximam dos irmãos mais pobres e o tornam semelhantes a eles, numa solidariedade que é testemunho evangélico de fraternidade.
2ª Leitura (1Jo 5,1-6)
A verdadeira comunhão cristã se revela nas atitudes concretas de amor, não só para com Deus, mas também para com os irmãos. Ainda mais, o amor para com os irmãos é o único critério possível para afirmar que estamos em comunhão com Deus. Essa comunhão nasce da fé que nos torna filhos de Deus, configurados a Cristo, fonte de vida, o Messias e Filho de Deus (Jo 20, 30-31).
Evangelho (Jo 20,19-31)
Primeiramente o texto revela a presença do Ressuscitado no meio da comunidade. Uma presença real, onde Jesus vence a incredulidade. Não é um fantasma (cf. Lc 24,39). A partir desse encontro, a tristeza se transforma em alegria. Toda pessoa que faz a experiência de Cristo muda de vida. E recebe uma missão (v. 21b).
“Recebei o Espírito Santo…”
O mesmo Cristo, que tinha entregado o espírito sobre a Cruz (Jo 19,30) como Filho do homem e Cordeiro de Deus, uma vez ressuscitado, vai ter com os Apóstolos para “soprar sobre eles” com aquele poder de que fala a Carta aos Romanos (Rm 1,4). “Soprando…”; o texto evoca a primeira criação do homem (Gn 2,7) e sugere que se trata de uma nova criação, de uma verdadeira ressurreição (cf. Ez 37,9; Rm 4,17). E lhes dá o Espírito, como que através das suas chagas: “mostrou-lhes as mãos e o lado…” Estabelece-se assim uma ligação entre o envio do Filho e o envio do Espírito. A entrega do Espírito se dá mediante a entrega do Filho: “…com efeito, se eu não partir, o Paráclito não virá a vós…” (Jo 16,7). Os discípulos, “cheios do Espírito Santo” (At 4,31) são conduzidos progressivamente ao conhecimento da realidade manifestada em Cristo e vão compreendendo sua missão evangelizadora. Nessa tarefa, os discípulos perdoarão e reterão os pecados na medida em que proclamarem a missão de Jesus no mundo.
“Se eu não vir (…) se eu não tocar…”
Tomé é costumeiramente visto como exemplo de falta de fé. Podemos, porém, vê-lo como símbolo dos que não atingiram a fé, porque estão fora da Comunidade; não compartilham com ela a vida comum. O evangelho mostra que a vida em Comunidade é a base para o crescimento da fé de Tomé e de todos os que não conseguem chegar à contemplação do Ressuscitado. Revela também um outro lado da fé. A fé é um risco; não se trata de tocar e ver, mas de acolher um anúncio que é proclamado (1Jo 1,3). “Oito dias depois”, isto é, no domingo seguinte ao da Ressurreição, Tomé estava na reunião da Comunidade. Acende-se novamente a luz da esperança no coração de Tomé. Então ele volta a fazer parte daquele grupo que se mantém unido, agora não mais como uma forma de se proteger do “medo dos judeus”, mas sim pela alegria de “ver o Senhor”.
Hoje, no mundo do individualismo, esse fenômeno cultural atinge também algumas práticas de fé. É muito comum ouvirmos dizer: “Eu não preciso ir à Igreja, rezo em casa sozinho…”. Querem viver a fé dispensando a vivência comunitária. A Páscoa não é um desfrute individual, em que cada fiel ressuscita com ‘seu’ Jesus privatizado. Se eu não sair do meu conforto individual e projetar-me ao encontro do outro, à maneira relacional, da mesma forma de Deus (que é relação profunda de amor trinitário), será muito difícil, como Tomé, à primeira vista, abrir os olhos da fé para enxergar a presença do Ressuscitado: “Então os seus olhos se abriram e eles o reconheceram…” (Lc 24,31).
“…para que crendo, tenhais vida…”
Por fim, temos nos versículos finais de hoje o epílogo do evangelho de João, onde são indicados quais foram os seus objetivos: obter a fé em Jesus, reconhecendo-o como Cristo e Filho de Deus, e assim fazer com que, pela fé, alcancemos a vida eterna.
Para os cristãos, crer não necessita de prova. Não são ressentidos porque não viram o Mestre com os olhos físicos. Para nós, ele continua presente, de forma mistérica e sacramental na comunidade. “Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação.” (1Pd 1,8-9)
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* Glêvison Felipe L. Sousa é graduado em Engenharia Civil. Concluiu o Curso de Teologia Pastoral na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE-BH. Membro do Movimento Bíblico Nova Jerusalém em Vespasiano (MG), atualmente é candidato ao diaconato permanente na Arquidiocese de Belo Horizonte.