Por Ir. Jackson C. Silva, NJ*
A Quaresma é tempo forte em que a Igreja procura viver mais profundamente a oração, jejum, penitência (elementos que nos auxiliam a abrir mais a Deus e ao próximo acarretando em nossa conversão). Assim, refletindo a caminhada no deserto, tentaremos dar uma contribuição para que se concretize tudo isso.
Quando pensamos em DESERTO já nos vem à mente os termos: “lugar sem água, sem vegetação”, ou “lugar desabitado, sem vida” ou até mesmo “uma pastagem abandonada”. Mas também esta palavra vem da mesma raiz hebraica do termo “palavra”. Logo, DESERTO se revela também como o “local da Palavra” (“… levarei para o deserto e lhe falarei ao coração.” – Os 2,16)
No mundo antigo aguardava-se a revelação da divindade num local solitário e temia-se o deserto como habitação dos demônios. Daí apresentaremos duas visões acerca do deserto: 1) Como habitação dos demônios = lugar de tentação, prova à impureza, doença e morte, além de ao mesmo tempo ser lugar de separação de Deus; 2) Como lugar santo das manifestações de Deus. De fato, qualquer pessoa que quisesse viver perto do Senhor escolhia o deserto, local predileto das visões, mesmo que sujeito também as provações e tentações.
Do Egito ao deserto: Uma caminhada que vale a pena?
A saída do povo hebreu do Egito rumo à Terra Prometida foi um acontecimento tão marcante que é lembrado diversas vezes no Antigo Testamento. De fato, o Egito, que significa “estreito”, é um lugar de escravidão, opressão pelo poder do orgulhoso e egoísta Faraó, ídolos, ilusão, sofrimento, etc. Quantos de nós já nos sentimos nesse lugar! Quantas vezes o “faraó” dentro de nós se manifesta no egoísmo e no orgulho! O endurecimento do coração do faraó não nos faz lembrar do endurecimento do nosso em certas situações? Como “dono do Egito”, queremos muitas vezes ser donos exclusivos de nós mesmos!
Mas Deus suscita Moisés para tirar o povo desse ambiente. Quem são nossos Moisés? Diretores espirituais? Pais? Irmãos? Amigos? E povo segue-o e é libertado do Egito. Pronto!? Não, ainda é só o começo de uma longa caminhada. Deus não conduz o povo por um caminho fácil, curto, reto, mas difícil, longo e tortuoso. Em cada etapa Ele se manisfesta diferente e quer nos ensinar muita coisa para nos amadurecer e purificar. Os 40 anos significam um tempo de maturidade, puricação. Tomemos três exemplos para ilustrar nossa reflexão:
ABERTURA DO MAR VERMELHO (Ex 13,17 – 14,29): na aflição e com medo de ser pegue pelo Faraó, Moisés encoraja o povo (Ex 14,13-14) e Deus o salva da ameaça egípcia. Abre o mar, deixando o povo passar, e fecha-o destruindo os inimigos.
ÁGUA NO DESERTO (Ex 15,22-27; 17,1-7): de novo, com reclamações do povo, Deus se manifesta providenciando água para todos beberem
COMIDA NO DESERTO (Ex 16,1-35): Mais reclamaçao! Ingratidão! Deus de novo se manifesta: providencia alimento.
Deus responde à ingratidão do povo sempre com sua manifestação. O povo quando reclama sempre se volta ou chantajeia Moisés ou Deus lembrando do Egito e questionando se Deus está ou não com eles. Muitas vezes, em nossa caminhada, quando se aproxima a provação, somos tentados a voltar ao que éramos antes, aos costumes antigos, a não prosseguir e parar. Mal sabemos que a provação nos faz vir à tona quem realmente somos, o tem temos no coração. Nela perdemos o controle, reconhecemos que somos limitados. É aí que nos resta se abandonar aos cuidados de Deus. Deixar que Ele nos conduza nessa caminhada de deserto e não querer sermos nossos próprios condutores. Isso consiste na maior conversão, fonte de todas as mudanças que queremos ou precisamos ter.
Ao contrário do que muitos pensam, Deus não quer nos testar com a provação, se somos aptos para sermos seus filhos ou seus servos, se o amamos ou não. Com a caminhada no deserto, ele quer nos levar amar muito mais do que estamos amando, pois Ele sabe que somos muito mais do que nós pensamos de nós mesmos.
A Palavra de Deus atesta que nunca estamos sozinhos ou abandonados. O “EU ESTOU CONTIGO” é prova e a maior manifestação de que Deus está conosco. Mais do que querermos experimentá-lo, Ele por ser todo, completo e amar mais é que vem ao nosso encontro, como veio ao povo de Israel. Na dúvida, aridez, DESERTO, quando não conseguirmos ouvir ou experimentar a voz de Deus e até nossa fé estiver desaparecendo, façamos uma revisão de nossa história e tentemos perceber como fez o povo de Deus ao escrever a Bíblia, “Quantas maravilhas Deus fez por nós e em nós” (cf. Sl 105,5)
* Membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Licenciado em Física pela UFC e em Filosofia pela UECE. Graduando em Teologia na FAJE-BH e pós-graduado em Formadores para Vida Religiosa no ISTA-BH. Contato:jack22nj@hotmail.com