Dogma, imposição ou certeza emergente de fé?

Dogma, imposição ou certeza emergente de fé?

Por Ir.Pe. Lauro do Coração Eucarístico de Jesus, N J*

Muitos de nós sentimos a tentação, ou melhor, o impulso de responder que é algo que aceitamos e acreditamos, mesmo sem entender, algo do tipo que “desce goela abaixo à fina força”, seria uma imposição de fé por parte da autoridade da Igreja, que pune com severas restrições, até a ex-comunhão, a quem não dá seu assentimento de fé. Perguntamos, pode a fé ser assimilada nestas condições? Evidentemente que não, pois a aceitação da fé deve ser um ato plenamente livre, para que tenha valor diante de Deus.

É necessário saber que, a mente humana nunca poderá alcançar plenamente a Deus, nosso Senhor; nem mesmo na eternidade. Os bem-aventurados contemplam a Deus até onde são capazes de amar conforme a correspondência que tiveram a graça, fora desta capacidade não há contemplação. A visão total do absoluto pode causar a morte da criatura, seja ela humana ou mesmo angélica. A Sagrada Escritura nos dá testemunho disto: Ex 33,18-23; 19,21; Lv 16,2; Nm 4,20. Moisés, Elias e os serafins cobrem o rosto diante da magnificência de Deus, porque não podem suportá-la diretamente: Ex3,6; Iº Rs 19,13; Js 6,2. O fato de ver o Senhor e permanecer vivo é uma graça fora do comum concedida a alguns, que causa admiração reconhecida e temor: Dt 5,24; Ex 24,9-11. Na transfiguração, quando o Cristo deixa transparecer toda a sua glória, os discípulos ficam atônitos e Pedro sem saber o que dizer. Glória mais ou menos suportável, porque Deus assumiu a natureza humana em Jesus. (Mt 17,1-8; Mc 9,2-8; Lc 9,28-36; 2º Pd 1,16-18). Quando celebramos a Eucaristia ou passamos horas de adoração ao Ss. Sacramento, só podemos suportar a glória de Deus por dois motivos, o primeiro é que Deus se fez um de nós assumindo nossa natureza humana, o segundo porque é o corpo, alma e divindade de nosso Senhor Jesus Cristo, mas sob o “véu do sacramento”. Caso contrário, ninguém sairia vivo de nossas igrejas.

A Bíblia e a Tradição é o modo de Deus revelar seu plano de amor, perceber este plano (economia da salvação) com suma clareza, é muito difícil para o Homem, ainda mais marcado e debilitado pelo pecado. É certo que sabemos o essencial para nossa salvação, mas ao longo dos séculos a Igreja tem tentado compreender melhor o que lhe foi confiado, “o depósito da fé”. Nestas tentativas a Igreja, por graça de Deus, sobretudo, percebe certos aspectos da doutrina que não podem passar despercebidos por ser essencial à fé católica, mesmo que numa visão mais superficial, não aparente nenhuma ligação com o mistério de Cristo e a nossa Salvação. Por isto, podemos dizer que os dogmas de fé são emergentes, ou seja, brotam da experiência de fé de toda a Igreja. Poderíamos dizer ainda que se trata de uma “intuição teológica” ou de um “insight no Espírito”. Por esta razão, não é uma imposição, mas algo que é necessário para um aprofundamento maior no mistério a nós revelado e que faz parte do conteúdo da fé da Igreja. Assim, compreendemos que não há motivos para rejeitar um dogma, uma vez que este sempre foi integrante da fé, apenas não perceptível devido as nossas limitações. Seria a proclamação da imperfeição de Deus se a cada dia disséssemos que Deus está sempre criando novas formas de nos salvar. Deus é único e perfeito, logo não necessita de reformas o seu pensamento e vontade, nós é que não podemos alcançá-lo de uma vez. Não aconteceu que, em qualquer dia de determinado dia de qualquer século destes dois mil anos de cristianismo, o Papa ou os bispos de determinado concílio tenham de repente acordado e disseram de si para si: “o que vamos dizer hoje na aula conciliar? Acho que vamos criar o dogma disto ou daquilo…”

Neste ponto, ainda que o oriente cristão tenha sido o nascedouro de quase todas as grandes heresias, merece uma menção honrosa o fato de que certos aspectos da fé não necessitaram de uma proclamação dogmática, simplesmente porque nunca puseram em dúvidas o que a Bíblia e a Tradição Apostólica deixam entrever do mistério de nossa salvação, simplesmente celebram e ponto final. Assim é a festa da assunção da Virgem, chamada “a dormição da Mãe de Deus”. Para eles é com certeza uma realidade emergente, no sentido que falamos acima. Parece que lá o axioma “Lex orandi,Lex credendi”é melhor vivido.

Para uma melhor compreensão recomendamos a leitura e reflexão sobre os seguintes números do Catecismo da Igreja Católica: 88,89,90,91,92,93.

 

* Padre religioso do Instituto Religioso Nova Jerusalém graduado em Filosofia e Teologia pelo FCF. Atualmente está se especializando em Estudos Bíblicos nesta faculdade.

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