Roteiro Homilético – 5º DOM DA QUARESMA

Roteiro Homilético – 5º DOM DA QUARESMA

O VERDADEIRO LOUVOR É AJUSTAR-SE À VONTADE DE DEUS

Por Ir. Aíla Luzia P. Andrade, NJ*

(originalmente retirado da revista Vida Pastoral, Paulus )

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I. INTRODUÇÃO GERAL

O termo justiça, na Bíblia, denota conformidade com um padrão. Significa amoldar-se à vontade de Deus, com base na Escritura. Justiça, portanto, é a qualidade de estar conforme o que Deus espera do ser humano. Basicamente, o justo é descrito como alguém que faz a vontade de Deus em relação ao outro. Os textos de hoje chamam a atenção sobre o que é a verdadeira justiça ou sobre o que agrada a Deus e lhe dá louvor.

 II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1. Evangelho (Evangelho: Jo 8, 1-11): Ajustar-se à vontade de Deus é praticar a misericórdia

Os fariseus querem uma prova concreta para incriminar e prender Jesus. Este retorna ao templo para ensinar à multidão presente naquele lugar. Enquanto ensinava, os fariseus trouxeram-lhe uma mulher surpreendida em adultério e, recorrendo à Lei de Moisés, inquiriram-lhe sobre que sentença daria (v.6). Naquele tempo o adultério não era considerado somente a relação sexual. Aquela mulher poderia apenas ter se insinuado para um homem e isto já a identificava como adúltera. Nesse contexto uma pessoa pode adulterar sozinha (cf. Mt 5,27 Jesus aplica essa lei também para o homem).

Os fariseus põem Jesus à prova, pois de um lado, não poderia ficar contra a Lei, o que seria um pretexto para acusá-lo de blasfêmia. De outro, era de conhecimento público sua misericórdia para com os pecadores.

Jesus, de imediato, não responde, parece ignorá-los. Sabe que a preocupação de seus interlocutores, nesse momento, não é saber a vontade de Deus para ajustar-se a ela, mas apenas ter algo concreto para incriminá-lo. Quando insistem, Jesus responde de forma inesperada, modifica o enfoque da questão e os envolve no assunto: “Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra”. Nessa reviravolta, Jesus não recusa o juízo de Deus, mas deseja que os fariseus o apliquem primeiramente a si mesmos. E, como o conceito de adultério era muito mais amplo naquela época que nos dias atuais, então os interlocutores não têm mais como continuar com a acusação sobre a mulher, visto que também são culpados mesmo que não tenham sido surpreendidos anteriormente.

Não tendo como continuar, cada um vai embora, começando pelos mais velhos, que são os mais prudentes. Assim, Jesus fica a sós com a mulher e lhe dirige a palavra perguntando se alguém a condenou. Diante da resposta dela, Jesus afirma que ele também não a condena. A mulher é despedida de forma imperativa por Jesus, que a ordena a não mais pecar.

Jesus se revela nesse episódio como o enviado do alto, que mostra o rosto misericordioso de Deus, mas também o seu juízo. A justiça do ser humano é, principalmente, condenatória, diferente do juízo de Deus. A justiça de Deus é feita de perdão e de orientação para a mudança de vida. Na atitude de Jesus para com a mulher pecadora não se revelada apenas a sua identidade messiânica e profética, posta em xeque pelos fariseus, mas manifesta-se, sobretudo, a fé da mulher que confiou no seu juízo e, por isso, saiu justificada. Também se revela a incredulidade daqueles que se recusam a enxergar o testemunho de Jesus, o enviado do Pai.

 2. I Leitura (Is 43,16-21): Um povo para louvar o Deus misericordioso

O texto descreve o retorno do povo de Deus à terra prometida, depois do exílio da Babilônia, como sendo um grande evento, comparável unicamente à travessia do Mar durante a saída do Egito (vv. 16-17). Mas, no mesmo texto, Deus promete fazer coisas maiores ainda (vv. 18-19). O Senhor fará algo novo, embora os eventos salvíficos do passado não devam ser esquecidos, porque a revelação é progressiva, mas não devem ser lembrados numa perspectiva saudosista.

O Deus libertador que abriu um espaço no Mar para o povo passar, é o mesmo que fará um caminho no deserto. Isso não deve ser tomado ao pé-da-letra, mas compreendido como atos salvíficos de Deus em favor de seu povo.

Abrir um caminho no deserto, em vez de contorná-lo, significa que Deus tem urgência em fazer o povo voltar para a terra de sua herança. As caravanas que saiam da Babilônia, em direção a Israel, levavam muito tempo contornando o deserto.

Deus não se limitará apenas a libertar o seu povo, mas cuidará dele como fez no passado, fazendo surgir rios no deserto, onde antes tinha feito brotar água da rocha. A repetição ampliada das maravilhas do êxodo do Egito é testemunha de que Deus escolheu e constituiu um povo (v. 20) para o seu louvor (v.21).

Toda a criação é atingida pelos atos salvíficos de Deus em favor do ser humano. Isto é mostrado simbolicamente quando o autor afirma que os animais do deserto agradecem a Deus (v.20) porque na sua infinita misericórdia, o Senhor supre a sede do povo durante a viagem de volta à terra prometida.

Esse simbolismo do louvor dos animais está em contraposição ao louvor do ser humano endereçado a Deus. Na concepção bíblica, o verdadeiro louvor consistia em um sacrifício de ação de graças (Lv 7,12) cujo aspecto fundamental era uma conduta reta, ajustada à vontade de Deus (Sl 50,23). Palavras bonitas endereçadas a Deus, mas unidas a obras injustas faziam com que o louvor não fosse aceito (Sl 50,13.23b).

 3. II Leitura (Fl 3, 8-14): A vida cristã é ajustar-se a Cristo

Paulo dirige-se aos filipenses para exortá-los a configurar suas vidas à de Cristo num perfeito ajustamento à vontade de Deus. Para reforçar suas palavras, o apóstolo usa a própria história de vida. Nos versículos anteriores ao texto da liturgia de hoje, Paulo faz uma lista de seus títulos dentro do judaísmo. A verdadeira intenção dessa postura do apóstolo é mostrar aos seus destinatários que a sua fé em Jesus Cristo o tinha levado a uma mudança radical de vida e de perspectiva. O encontro com o ressuscitado o fez considerar de forma totalmente diferente tudo o que antes eram coisas importantes para ele.

Paulo descobriu que conhecer e agradar a Deus é o mesmo que entregar-se a Cristo, viver como ele viveu e, se necessário for, morrer como ele morreu. Essa é a verdadeira justiça que vem da fé e não do legalismo.

Depois de ter se dado conta da riqueza que é a verdadeira justiça, ou seja, a configuração da própria vida à de Cristo, o apóstolo se conscientiza que ainda há um longo caminho a percorrer, pois ainda não chegou à perfeição, isto é, à maturidade cristã. Contudo, a união de Paulo com Cristo o leva a avançar em vista desse alvo almejado. Essa união inclui uma participação nos sofrimentos de Jesus como parte do processo de maturidade cristã. Sofrimento é algo que todo ser humano sente, mas sofrer unido a Cristo significa ter uma participação também na sua ressurreição.

Trata-se de uma santidade ativa, um ajustamento ao que Deus espera do ser humano através de uma configuração a Cristo. Não se trata de um esforço para comprar a salvação a partir de um

relacionamento com Deus baseado na retribuição. Mas, antes, significa uma resposta, dada com a própria vida, à salvação que é dom de Deus. Trata-se de fazer da própria vida um louvor agradável a Deus.

 III. PISTAS PARA REFLEXÃO

Aproxima-se a Páscoa e Deus nos convida a mostrarmos na nossa vida a conversão. Esse convite vem a nós de forma especial através do perdão e da misericórdia que nos são dados na Eucaristia, o sacrifício de louvor que representa a totalidade da vida de Jesus em cumprimento da vontade do Pai. Comungar do Corpo e do Sangue de Cristo é comungar de sua vida, morte e ressurreição. Não podemos participar da Eucaristia e vivermos uma vida baseada em valores diferentes daqueles que fundamentou a vida terrestre de Jesus.

 

* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral. (ailapinheiro@bol.com.br)

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