Corpo e sexualidade cristã

Corpo e sexualidade cristã

Por Ir. Luciene Lima Gonçalves, NJ*

Para falarmos do corpo e da sua importância na vivência plena da sexualidade, é necessário termos conhecimento do desenvolvimento da idéia de corpo[1]ao longo da história do Cristianismo. Sabemos que o cristianismo nasceu do encontro da cultura greco-romana e judaica. No exato momento desse encontro essas duas correntes viviam um enrijecimento puritano. Na cultura greco-romana influenciado pelo estoicismo e neoplatonismo onde impera o dualismo, alma e corpo, corpo e espírito. Deve-se rejeitar todas as desordens da carne, a razão tem que dominar sobre ela. Do lado do Judaísmo havia a influência de correntes pagãs que o levaram ao fechamento e endurecimento. Os judeus não se organizavam mais ao redor do Templo, tinha surgido um novo tipo de Judaísmo, reunido ao redor de mestres, os rabinos que detinham o saber. Esta situação ocasionou desequilíbrio nas relações entre homens e mulheres através do reforçamento de interditos sexuais do Antigo testamento. Foi exatamente desse encontro que o Cristianismo teve início, com uma carga totalmente negativa em relação à corporalidade.

O corpo era visto separado da alma, do psiquismo, da razão. Ele era visto de forma negativa, era o lugar das paixões e desregramentos para os gregos. Para os judeus o lugar do pecado, da impureza. Para os gregos atrapalhava o equilíbrio e o domínio da razão. Para os judeus ele impedia a relação com Deus, por causa dos interditos. Ter relações sexuais, tocar o corpo de um morto impedia uma pessoa de participar da liturgia. A pessoa precisava passar por um ritual de purificação para depois retornar ao convívio do Deus de Israel. Todas essas coisas influenciaram e influenciam até hoje nossa Moral cristã. A nossa idéia de corpo como lugar onde o pecado acontece, lugar em que não temos poder. Por isso devemos submeter nosso corpo à nossa razão, não podemos deixar que ele nos domine isso seria o caos total.

Vislumbramos um horizonte novo quando reinterpretamos a noção de corpo à luz da pessoa de Cristo. Com a encarnação de Jesus assumindo nossa carne, tomando nosso corpo humano vivendo plenamente sua humanidade, não podemos mais falar de maneira separada da nossa mundaneidade (sarx), carne falante em que foi inspirado um sopro de vida (Basar ). Agora falamos do Soma – Pessoa, quando falamos da pessoa como um todo não fragmentado. Nós fomos redimidos na entrega do Corpo de Cristo, de sua pessoa, de sua história. No seu corpo nessa entrega temos uma nova maneira de nos relacionarmos com nossa corporalidade. O corpo não é apenas um conjunto de órgãos com funções biológicas complexas que nos mantém vivos. Ele é o lugar da entrega, da doação ao outro, onde vivemos plenamente nossa humanidade e consequentemente nossa sexualidade. Por isso o corpo não pode mais ser visto como lugar do pecado nem do prazer desordenado. Sabemos que essa é a visão que impera em nossa sociedade, onde não há esse sentido do corpo como relação consigo e com o outro. Ele é apenas objeto de prazer; tanto meu como do outro.

O grande desafio de uma ética cristã da sexualidade nos dias de hoje é apresentar uma visão des-sacralizada e ao mesmo tempo santificada. O corpo não é aquele lugar sagrado no sentido de que não é permitido uma aproximação, não é possível se relacionar com os outros por meio dele sem correr o perigo do pecado. Tudo que ocorre nele pode nos ferir de alguma forma. E ao mesmo tempo ele deve ser visto no sentido de santificado como tornado santo, separado, aquele que Deus separa para si. Há uma sacramentalidade no nosso corpo, pois somos templos do Espírito Santo. Deus habita em nós não para nos inibir em nossas ações mas para nos redimir da falsa imagem que nós temos a nosso respeito. Com a entrega do seu Corpo a nós, também entregamos nosso ser, nossa humanidade, nossa história a Ele e aos outros. Assumindo nosso corpo como tal nos responsabilizamos por nós e por todos com quem nos relacionamos. Nosso corpo é o lugar por excelência onde vivemos nossa sexualidade. Ela não pode ser dissociada da Encarnação e Redenção na pessoa de Jesus, é nela que deve se pautar. O Dom da vida de Jesus para nós é perdão, é Graça. O corpo deixou de ser o lugar do mal em nós para se tornar lugar privilegiado de encontro com o outro, lugar da nossa humanização.



[1] [1] Aqui entendemos por corpo a materialidade da pessoa, que poderíamos chamar também de sarx. Todos esses termos foram vistos em aula.

**Membro do Instituto Relgioso Nova Jerusalém, mestra de noviças e graduada em Filosofia  pela Faculdade Católica de Fortaleza  e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).

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