SENHOR, A QUEM IREMOS?
Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, NJ*
(originalmente retirado da revista Vida Pastoral, Paulus )
I. INTRODUÇÃO GERAL
Os textos da liturgia de hoje sugerem que se não servimos a Deus de livre vontade o serviço pode resultarem hipocrisia. Deusdeseja que o sirvamos de todo coração, mas isto só será possível se fizermos uma opção consciente por ele. A opção por Deus, traz como conseqüência novas formas de relacionamento com o próximo, a começar em casa, isso significa que o cristianismo não se separa das relações que constituem a vida humana.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (João 6,60-69): Vós também quereis ir embora?
Depois de todos terem visto o sinal do pão e ouvirem o discurso chegou a hora da decisão da fé. Aderir ou rejeitar Jesus como enviado de Deus. A decisão não é apenas da multidão, mas dos discípulos também. É uma decisão definitiva, porque a partir daí os que estão com Jesus também devem participar de seu destino. A palavra de Jesus é muito dura. Somente pela fé naquele pode dar a vida eterna capacita para enfrentar a dureza dessa Palavra.
Não se trata apenas de ouvir, mas um escutar prontamente para realizar na vida aquilo que se escuta de Deus. E no caso aqui, o que eles escutaram diz respeito adesão incondicional dos discípulos à vida de Jesus. E se isso os escandaliza, o que dirão quando acontecer seu retorno ao Pai. É assim que Jesus concebe sua morte na cruz, retornar para onde veio, para o seio do Pai.
O contraste entre carne e espírito refere-se a duas formas de viver. A carne diz respeito ao homem entregue a si mesmo e aos limites de suas possibilidades. Por si mesmo é incapaz de perceber o sentido profundo das palavras e dos sinais de Jesus, ou de crer. Por isso, é o espírito a força que ilumina o homem, abre seus olhos e lhe permite discernir a Palavra que se dizem Jesus. Não são duas dimensões do ser humano, mas duas maneiras de viver sua existência. Nem todos os discípulos estão se deixando conduzir pelo espírito, por isso não conseguem dar o próximo passo: a fé. A verdadeira fé significa adesão sem reserva àquele cujas palavras prometem e comunicam a vida eterna: ele é efetivamente o enviado que Deus consagrou.
Simão Pedro, representante da comunidade, confessa sua fé em Jesus, dizendo que só ele tem palavras de vida eterna. A quem iremos? Quem poderia nos oferecer uma vida plena, reconciliada com Deus, cuja existência humana sustenta com seu amor? Só Jesus.
2. I Leitura (Josué 24,1-2a.15-17.18b): Escolhei hoje a que deus querei servir
Siquém ocupa um lugar de destaque na história dos patriarcas, pois foi por ali que Abraão entrou na terra prometida (Gn 12,6) rompendo com o passado e recomeçando uma vida nova que se caracterizava pela adoração ao Deus vivo e verdadeiro e pela renúncia ao politeísmo. Nada melhor que fazer a renovação da aliança naquele lugar, com esse objetivo Josué reuniu ali os representantes das tribos. Antes de tudo era necessário fazer uma escolha: a quem desejam adorar? Ao Deus que os tirou do Egito ou aos deuses estrangeiros que Abraão, Isaac e Jacó haviam renunciado?
Os hebreus responderam à pergunta de Josué de modo enfático mostrando a opção deles de servir o Senhor em vez dos ídolos. A expressão “Deus nos livre” ressalta horror à idolatria, adorar os ídolos em vez do Senhor é algo absurdo e não deve ser cogitado em hipótese alguma.
As razões dadas para a escolha é que eles provaram do cuidado e atenção que Deus teve para com eles, tirando-os da escravidão e guardando-os durante todo o caminho até ali.
3. II Leitura (Efésios 5,21-32): Cristo amou a Igreja e se entregou por ela
Escrita no século I dC, sob o império romano que era uma sociedade divida em castas, como senhores e escravos, quando a posição da mulher na sociedade dependia da decisão do marido, a carta aos efésios mostra-se rica em sabedoria porque aproveita-se de elementos desse contexto histórico e cultural para ensinar sobre o relacionamento entre Cristo e a Igreja, ao mesmo tempo em que instrui sobre como deve se a nova forma dos cristãos construírem seus relacionamentos naquela sociedade.
Primeiramente deve haver subordinação de uns para com os outros, assim ninguém tomará o lugar de Deus, pois o motivo dessa subordinação é a reverência ao Senhor. O termo grego para “subordinai-vos” não é pejorativo, ao contrário, é um termo militar que significa está sob as ordens (ou sob a orientação) de um oficial imediato, esse termo iguala a todos, pois cada um está sob as ordens de outro, ao mesmo tempo essa palavra sugere que há funções diferentes. A expressão “reverência ao Senhor” significa que Deus está acima de qualquer autoridade e que somente a ele e não a outro se deve adorar.
No texto de hoje temos uma das mais belas (e menos compreendia!) analogias paulinas que compara relação entre esposo e esposa ao relacionamento ente Cristo e a Igreja. Há alguns elementos sobre os quais a analogia está estruturada que nos ajudam a melhor entendê-la: (1) a esposa deve está subordinada ao esposo; (2) destaca-se que o motivo dessa subordinação é Cristo e não o marido, o contrário do que se pensava naquela época; (3) a esposa representa a Igreja e o esposo representa Cristo, isso significa que a subordinação da esposa é imagem da subordinação da igreja a Cristo; (3) o esposo deve amar a esposa como Cristo amou a igreja, isto é, o esposo deve dar a vida pela esposa até à cruz. Como naquela sociedade a responsabilidade maior era a do marido, assim também a maior exigência é feita a ele e não à esposa.
Enfim, todos somos membros do mesmo corpo, um não é maior que o outro, embora haja diversas funções. Além disso, esposo e esposa constituem uma única carne da mesma forma que a igreja é corpo de Cristo.
O mistério da união entre Cristo e a igreja é muito grande e não há palavras para defini-lo, a anologia com o matrimônio é apenas uma tentativa de compreendê-lo melhor (v. 32) para melhor servir no reino de Deus.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Encerramos o mês vocacional com textos que enfatizam o valor da opção consciente e instruída. No mundo de hoje o cristianismo deve ser fruto de uma escolha muito mais que antigamente, pois no tempo da comunidade primitiva a família determinava muitas vezes as decisões dos filhos. Hoje isso não é mais possível. A igreja deve ter a coragem de perguntar a seus membros de eles têm certeza se realmente querem continuar a ser cristãos católicos. Além de mostrar que a vivência cristã é fruto de uma escolha, de uma decisão pessoal, a igreja deve oferecer formação às pessoas para que elas conheçam e entendam mais profundamente o cristianismo católico e assim possam dar uma resposta mais consciente e segura.
No domingo que vem começará o mês dedicado à bíblia, é uma ótima oportunidade para que a igreja tenha membros mais conscientes, bem formados na Palavra de Deus e mais seguro da decisão de ser cristão católico.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.