UM GRANDE SINAL PARA A IGREJA E PARA A HUMANIDADE
Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, NJ*
(originalmente retirado da revista Vida Pastoral, Paulus )
I. INTRODUÇÃO GERAL
A festa da assunção de Maria é a festa da assunção da Igreja. Maria colabora no mistério da redenção associando-se a seu Filho (LG 56). Sua assunção é figura do que acontecerá com todos os seguidores de Jesus, ou seja a igreja, no fim dos tempos. Porque Maria não é apenas a imagem (o reflexo), mas também a imagem típica (o protótipo) da Igreja. A Igreja deve ser aquilo que Maria é. E enquanto peregrina neste mundo, a Igreja tem Maria como um sinal “até que chegue o Dia do Senhor” (LG 68). O que celebramos na festa de hoje é a vitória de Cristo sobre todos os poderes que tentam impedir o Reino de Deus. Celebramos, tendo Maria como sinal, a vitória da Igreja inteira sobre a morte e o pecado.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1. Evangelho (Lucas 1,39-56): Feliz aquela que acreditou, pois a palavra do Senhor se cumprirá
Este trecho do evangelho está vinculado ao texto da anunciação, como seu desenvolvimento. Ao ouvir a mensagem do anjo Gabriel em relação à encarnação do Filho de Deus, tendo como sinal a gravidez de Isabel, Maria se dirige prontamente para a região montanhosa.
A conexão entre estes trechos nos aponta para duas verdades sobre Maria. Sua fé e seu compromisso com o Reino. A partir da fé que ela demonstra na Palavra de Deus, temos em Maria a verdadeira discípula, que ouve a Palavra e a põeem prática. Afé na Palavra de Deus gera compromisso, que leva o discípulo a realizar na vida o que ouviu. É o que Maria nos mostra com seu exemplo.
Maria é exemplo de discípula para quem acredita no cumprimento das promessas de Deus, porque ela mesma está a disposição de Deus para servir a ele como instrumento dócil. Foi isso o que aconteceu quando disse: “Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (1,38). E, imediatamente saiu para visitar sua prima. Ao chegar é saudada por Isabel, e algo de revelador acontece. O teor da saudação diz respeito a duas realidades. A primeira refere-se à atitude crente de Maria. Ela é bendita porque acreditou. Aqui é exaltada a fé de Maria. Foi sua total adesão à Palavra de Deus que operou um milagre em sua vida e na vida da humanidade: a encarnação do Filho. Daqui passamos para a outra realidade da saudação: “e bendito é o fruto do teu ventre!”. Maria, que carrega no útero o Filho de Deus, é identificada com a Arca da Aliança. No Antigo Testamento, a Arca da Aliança era símbolo do Encontro entre Deus e a humanidade. No útero de Maria dar-se o encontro entre Deus e a humanidade, pois Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Maria representa a Igreja que se compromete com o Reino, pela fé na Palavra de Deus e pela exigência de gerar o Cristo para o mundo através do anúncio, do testemunho e do serviço.
2. I Leitura (Apocalipse 11,19a; 12,1.3-6a.10ab): No deserto Deus preparou um lugar para a Mulher
A principal personagem que aparece no Grande sinal do céu não tem sua identidade imediatamente revelada pelo livro do Apocalipse, ela é chamada apenas de “mulher”. Somente no desenrolar da narrativa é que sua identidade fica clara.
A mulher é adornada pelos astros que a envolvem, isso significa que ela é a coroação de todas as obras da criação. Essa representação alude ao sonho de José, filho de Jacó (Gn 37,9), interpretado pelos sábios judeus como se referindo à vinda do Reino onde tudo na natureza e na história estaria submetido ao poder de Deus.
Em oposição à mulher está a figura tenebrosa do dragão descrito com características horripilantes, adornado pelos principais símbolos do poder humano: chifres e diademas. O significado dessa figura nos é dado pelo texto de Dn 7,24, trata-se dos governantes dos impérios, são os poderes do mundo.
O dragão intenta fazer mal à mulher, mas esta é levada para o deserto, lugar que Deus lhe tinha preparado, e ali ela é cuidada. Então a mulher representa o novo povo de Deus. A Igreja, comunidade dos seguidores de Cristo, enquanto aguarda a segunda vinda do Senhor, suporta as dificuldades do deserto, situação onde o novo povo de Deus esperou para entrar na terra prometida.
Enquanto essa cena se desenrola na terra, especificamente no deserto, uma voz proclama que há uma nova realidade no céu: ali o Reino de Deus já acontece plenamente (v.10). Cristo, o ser humano plenificado e vitorioso, é a garantia de nosso acesso ao céu. Isto significa que a mulher que ainda permanece no deserto pode ter certeza da vitória em sua luta contra o dragão.
3. II Leitura (I Coríntios 15,20-27a): Cristo ressuscitou como primícias dos que morreram
A Lei, em Dt 26,2, exigia que os primeiros frutos (as primícias) fossem oferecidos ao Senhor para expressar a gratidão do agricultor e o reconhecimento de que Deus era o responsável pela colheita. Quando o israelita oferecia os primeiros frutos a Deus, estava agradecendo pela colheita inteira. Os primeiros frutos saídos da terra eram parte da colheita e tão certo quanto as primícias são a prova que há uma colheita, a ressurreição de Cristo é a garantia de nossa ressurreição nele.
Cristo primícias dentre os mortos ascendeu ao céu e ofertou a si mesmo a Deus como o representante de seus seguidores, ou seja, da igreja que ascenderá depois dele. Cristo não é somente o primeiro na ordem do tempo que ressuscitou dos mortos (primeiro a sair de dentro da terra), mas é o principal no que se refere à dignidade e importância; conectado com todos os demais que vão ressuscitar. Cristo é o homem ressuscitado e nossa ressurreição é a partir dele. Portanto nossas esperanças não são vão, nossa fé não é inútil e nós não seremos desapontados.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
Em 1974 o Papa Paulo VI escreveu um documento sobre a devoção a Maria (Marialis Cultus), que continua a ser a norma para a devoção mariana entre os católicos. Depois de normatizar a devoção mariana em função de Cristo, o Papa destaca em dois números (MC 26 e 27) a mesma devoção em relação ao Espírito Santo. Isso significa primeiramente que não pode haver culto a Maria em si mesma.
O texto retirado do livro do Apocalipse é claramente cristológico, como se pode ver nos seguintes trechos: “Nasceu-lhe, pois, um filho varão, que há de reger todas as nações com cetro de ferro. E o seu filho foi elevado para Deus até ao seu trono” (v.5). “Agora, veio a salvação, o poder, o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo” (v.10).
Portanto, a homilia não deve contribuir com um devocionismo exagerado (não fundamentado nem na Escritura e nem na tradição genuína) a respeito da Mãe do Senhor e nossa Mãe, modelo daquilo que devemos ser e que seremos na plenitude dos tempos.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.