ENVIADOS POR DEUS E REJEITADOS PELOS SEUS
Por Aíla L. Pinheiro de Andrade, NJ*
(originalmente retirado da revista Vida Pastoral, Paulus )
I. INTRODUÇÃO GERAL
O tema da liturgia de hoje é a rejeição à Palavra de Deus. No evangelho, os contemporâneos de Jesus não lhe dão crédito porque não conseguem ver nele nada mais que um carpinteiro. Mas isso não é fato pontual, já havia incredulidade no tempo dos profetas. A primeira leitura menciona a falta de fé dos contemporâneos de Ezequiel porque têm um coração insensível. O profeta é orientado a insistir na proclamação da palavra de Deus mesmo que seus contemporâneos não queiram ouvi-la. Assim também agiu Paulo, que em vez de desanimar com as dificuldades, continuou com o anúncio do evangelho e nos ensinou a dizer: “quando sou fraco, então é que sou forte”.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Evangelho (Marcos 6,1-6): O profeta é desprezado na própria terra
Passando novamente por sua própria terra, Jesus encontrou dificuldade para operar milagre por causa da falta de fé. Ele se dirigiu à sinagoga no dia de sábado, como todo judeu adulto, e tomou a palavra para ensinar. Não se tratava de qualquer instrução, pois o lugar e o dia fazem disso um ensino oficial e litúrgico.
O ensino de Jesus causa duas reações contrárias: admiração e recusa. Essa disposição em relação a Jesus marca todo o evangelho de Marcos, tendo como principal protagonista dessa recusa os líderes religiosos de seu próprio povo, Israel.
A admiração diante do ensinamento de Jesus estava relacionada com sua autoridade que não vinha de sua profissão. Jesus não tinha a profissão de Rabino (mestre), mas de artesão da madeira. O fato de Jesus ser carpinteiro não é desonra, pois era uma profissão bem considerada. Essa afirmação apenas prova que os seus compatriotas o conhecem bem e se admiram que seja sábio e que faça milagres, quando o normal seria apenas trabalhar com a madeira. O objetivo aqui é mostrar que a sabedoria e o poder de Jesus não vêm dos homens, não se adquire como uma profissão, mas vem de Deus.
Em seguida, a admiração inicial transformou-se em hostilidade, que é sinal da incredulidade a respeito das obras de Jesus. O episódio retrata que os galileus estavam marcados pelo preconceito, se admiram das obras de Jesus, mas não acolheram. Essa falta de acolhimento impossibilitou Jesus de fazer milagres em sua própria terra, uma vez que os milagres significavam o avanço do Reino de Deus e o retrocesso do anti-reino, isto só era possível onde havia fé em Jesus como Messias/Cristo. O preconceito fechou os corações e os galileus não perceberam a ação de Deus em Jesus.
2. I leitura (Ezequiel 2,2-5): O profeta anuncia, quer escutem ou não
O texto menciona que o sopro de Deus entrou em Ezequiel, isso significa que agora ele é inspirado e movido pelo dom da profecia e o que vai anunciar é palavra de Deus. O Espírito põe o profeta de pé em atitude de prontidão para anunciar ao povo a profecia que vai receber.
Ezequiel é enviado aos filhos de Israel, os quais são chamados de “nação rebelde” (v.3). Algo fora do comum acontece no versículo três: em vez de dizer que Israel é “povo de Deus” como geralmente acontece na Bíblia, ele é chamado de “nação rebelde”, literalmente “gentio rebelde”. Na Bíblia, “gentio” está sempre em oposição a Israel, que é sempre referido como “o povo”. Isso significa que quando Israel rejeita a palavra de Deus se torna igual aos gentios.
A rebeldia dos contemporâneos de Ezequiel vinha de longa data, as gerações passadas se comportaram da mesma forma. As perspectivas da recepção da profecia por parte dos destinatários não é nada animadora para Ezequiel, eles têm a face endurecida e o coração obstinado. Quer escutem, quer não, saberão que “houve um profeta entre eles”. Essa expressão significa que Deus é misericordioso e os advertiu e que eles não têm mais desculpas para o erro.
3. II leitura (2 Coríntios 12,7-10): Prefiro gloriar-me de minhas fraquezas
Paulo afirma que tem um “espinho na carne”, de maneira geral essa expressão significa algo que provoca grande angústia. Uma alusão a Ez 28, 24 quando se refere aos povos vizinhos (e inimigos) de Israel como espinhos e abrolhos. Com a expressão “espinho na carne” o apóstolo pode estar se referindo, entre outras coisas, às angústias ele tinha suportado com a oposição à sua pessoa, e à sua autoridade, por parte dos coríntios. A rebeldia da comunidade de Corinto contra Paulo foi tão dolorosa que o compeliu a escrever uma “carta entre lágrimas”: “foi levado por grande aflição e angústias de coração que vos escrevi, em meio a muitas lágrimas” (2Cor 2,4).
A expressão “mensageiro de satanás” é equivalente a “espinho na carne” e significa que mesmo sofrendo a rejeição por parte dos coríntios o apóstolo não desanimou da missão de exortá-los a que vivessem conforme o evangelho. Paulo aceitou as angústias como uma motivação para exercer a humildade e para vencer o orgulho. O apóstolo deixou que Deus se utilizasse da fraqueza humana para mostrar a grandeza do agir divino.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
A homilia deve levar a comunidade a refletir sobre as graves conseqüências da rejeição à palavra de Deus. Ainda hoje Deus nos fala através de pessoas humildes e modestas. Às vezes a palavra que nos é anunciada questiona nosso agir e por isso é muito mais fácil rejeitá-la que sair do nosso estado de comodismo ou de pecado. Muitas vezes nos tornamos um espinho na carne, muitas vezes provocamos grandes angústias a quem somente deseja o bem da comunidade e a vivência mais autêntica da mensagem de Jesus.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.