Por Pedro Ferreira de Lima Filho*
A trilogia da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo recapitulada na Semana Santa é o momento propício para trilharmos os mesmos passos que Jesus fizera rumo ao Calvário até a sua Ressurreição, para sentar-se à direita do Pai no Domingo da Ressurreição. Contudo, focaremos nossa reflexão sobre a Sexta-Feira Santa, a Sexta-Feira da Paixão do Senhor. Neste dia a Igreja está em luto. É um momento de silêncio. É um tempo de recolhimento. É um tempo de reflexão, conversão de nossos corações perante a sociedade desumana na qual vivemos.
A Igreja neste dia, não celebra a Santa Missa, todavia convida os cristãos a reafirmarem as práticas da observância quaresmal, que durante a Campanha da Fraternidade de 2012 foi bastante meditada no tema: “Fraternidade e Saúde Pública” e o lema “Que a saúde se difunda sobre a Terra (Eclo 38, 8)”, e cuja proposta será trabalhada até a próxima quaresma de 2013. Nesta Sexta-Feira da Paixão do Senhor a Igreja convida o povo de Deus a praticar a abstinência de carne, a intensificar a oração e a reflexão consigo, com o próximo, com o mundo e com Deus.
Se neste dia fazemos memória da condenação de Jesus Cristo à morte, por causa de nossos pecados, podemos em consonância com a Campanha da Fraternidade nos indagar: Quantos de nossos irmão e irmãs estão hoje condenados à morte por falta de uma assistência humana e médica? Como Jesus, quantos não estão no caminho do Calvário por falta de políticas públicas a favor dos menos favorecidos? Quantos “Cireneus” se dispõem a ajudar o próximo? Quantas “Verônicas” têm a coragem e a ousadia de se aproximar dos irmãos mais esquecidos e marginalizados da sociedade e lhes enxugar a face do sofrimento? Quantas “Marias” estão dispostas a prosseguirem até o fim e resgatar seus filhos do mundo da perdição e das drogas? E assim, poderíamos perceber qual seria a nossa atitude diante do caminho do Calvário de Jesus: ficar apenas como expectador destas realidades ou teríamos a coragem de Jesus de ir até o fim e transformar a história da humanidade?
Portanto, nesta Sexta-Feira Santa, paremos um pouco e agradeçamos a Deus por ter nos amado tanto que chegou a “enviar seu Filho Amado a terra para salvar a humanidade dos pecados” (cf. Jo 3,17). Como também é um dia em que devemos voltar nossos pensamentos para o Calvário e participar dos sofrimentos e das atrocidades cometidas contra o nosso Salvador Jesus Cristo. Neste sentido a liturgia faz memória do sofrimento, Paixão e Morte do Senhor, convidando-nos à mudança de vida, momento de conversão e de desenvolver novos propósitos para nossa caminhada.
A recapitulação do seguimento a Jesus Cristo a caminho do Calvário remete-nos, especialmente, ao significado do seu sofrimento, e as duas leituras que antecedem à leitura da Paixão são fundamentais para penetramos neste Mistério que ora celebramos. Os relatos da Paixão, conforme o Evangelho de São João (18,1-19-42) constitui o modo privilegiado de acesso ao Mistério Pascal que neste dia revivemos, sobretudo da Morte do Senhor.
A primeira leitura (Is 52,13-53,12) retrata o quarto canto do Servo de Javé. No texto de Isaías, a Igreja nascente encontra sentido na pessoa de Jesus Cristo: a doação da vida do justo pela salvação dos homens e mulheres, pela salvação dos irmãos, mesmo dos que o rejeitaram e mesmo daqueles que o traíram.
Já a segunda leitura, retirada da Carta aos Hebreus (Hb 4,14-16; 5,7-9), coloca em evidência que Jesus participou em tudo de nossa condição humana, exceto do pecado. Assim devemos nos colocar perante o Mistério de hoje: Jesus fazendo-se homem em tudo, exceto no pecado, morre pela salvação da humanidade, para o perdão de nossos pecados, inaugurando o novo tempo: o tempo da salvação e da glória.
No Evangelho é elucidado que estamos diante do corpo morto do Senhor. Hoje, estamos diante da morte do Filho de Deus, “que se humilhou até a morte e morte de cruz” (cf. Fl 2,5-8). Jesus, que suportou a calúnia, o desrespeito, a zombaria, a condenação de morrer numa cruz, morte reservada a criminosos, é quem nos concede o salvo-conduto para participarmos dos benefícios que a sua condenação nos assegura até hoje: “Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus” (cf. Jo 19, 19).
Assim sendo, podemos afirmar categoricamente que Jesus Cristo é o sacerdote, por excelência que se doou, na tarde da Quinta-feira Santa, na Ceia com os discípulos e na Instituição da Eucaristia (cf 1Cor 11, 23-26; Jo 13, 1-15). O que ontem fora uma prefiguração, agora já se efetivou: o Cristo imolado continua em nossos altares. Eis, pois, a razão pela qual não celebramos a Santa Eucaristia nesta Sexta-feira Santa. Na tradição litúrgica não celebramos a Missa, haja vista, a evocação da Morte de Jesus Cristo, que não deixa de estar em unidade com a Celebração da Quinta-Feira Santa, já que o pão consagrado ontem é consumido hoje.
Cumpriram-se as Escrituras (cf. Jo 18-1-18-42), a Morte de Jesus Cristo nos foi revelada em densas palavras e episódios que devem não somente tocar nossos corações, mas fazer de cada um de nós protagonistas desta Paixão do Senhor. Rezemos com esta Paixão de Cristo. Vamos nos converter e procurar a graça de Deus com o relato que acabamos de refletir. Domingo passado celebramos a entrada triunfante de Jesus em Jerusalém com o Domingo de Ramos (cf Mc 15, 1-39). Ontem celebramos a Instituição da Eucaristia, Instituição do Sacerdócio Ministerial (cf 1Cor 11, 23-26; Jo 13, 1-15). Diante do templo, o povo curioso por causa da ressurreição do amigo fiel, Lázaro (cf. Jo 11,11), quer estar perto de Jesus. Daí a afirmação do Senhor: “Eu vos digo com toda a verdade, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, ficará só; mas, se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24).
A liturgia sugestivamente mantém desde a noite de ontem o altar desnudado e o sacrário aberto. Jesus está morto! Que o sofrimento seja o caminho de vida, como o grão que morre para dar a vida à espiga. Jesus abraçou a cruz e a morte por fidelidade à missão que o Pai lhe deu, de ser o rosto misericordioso de Deus, solidário com os pequenos e os mais pobres. Esta é a nossa missão: ser fiel com o Cristo da Cruz, do Calvário para a Ressurreição e para a Vida eterna (cf. Jo 20, 1-9).
Em suma, o evento da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo são três momentos distintos, mas inseparáveis, de nossa fé: “Cristo morreu por nossos pecados e foi sepultado. E ressuscitou ao terceiro dia” (cf. 1Cor 15, 3-4). E, mais, “ninguém me tira a vida. Tenho o poder para dá-la e novamente para retomá-la” (cf. Jo 10, 17-18).
Caríssimos Irmãos e Irmãs, Jesus nos deixou o testemunho da sua vida para que ao Segui-lo, tenhamos um novo olhar para a humanidade; “Se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós apareceis também com ele, revestidos de glória” (cf. Cl 3, 1-4). Destarte, que sejamos fiéis até o fim de nossas vidas ao Reino de Deus. Amém!
* Articulista, Escritor, Especialista em Ensino Religioso, Leitor Crítico, Filósofo e Pedagogo.