O ateísmo antropológico de Feuerbach: para uma possível relação com a Teologia

O ateísmo antropológico de Feuerbach: para uma possível relação com a Teologia

Por Luziene Filgueira da Silva, nj*


Desenvolverei esse texto partindo de cinco pontos que considero essenciais para uma melhor explanação do assunto. São os seguintes: 1) como era o pensamento sobre Deus e o homem anterior a Feuerbach; 2) a problemática percebida por este filósofo que o levou a desenvolver seu pensamento; 3) como é estruturado seu pensamento com relação à religião e qual sua crítica; 4) que solução ele aponta e o que não se sustenta em sua crítica;5) o que há de positivo que pode contribuir para a Teologia.

Para um melhor desempenho, utilizarei não só o texto referido, o de Manfredo, mas também alguns apontamentos da minha monografia que trabalhei que tem como tema: “O Ateísmo de Feuerbach como Afirmação do Homem em a Essência do Cristianismo.”

Feuerbach era um filósofo alemão que viveu no século XIX. Anterior a Feuerbach, Deus, assim como na idade média, continuava sendo o centro, só que já estando na era da modernidade a questão de Deus é racional.

Na Alemanha o feudalismo ainda estava muito presente. Sendo governada por príncipes, barões e prelados, sofria grande influência ideológica cristã. O governo tirava proveito do povo, dizendo agir em nome de Deus e o povo simplesmente obedecia, isso se tomava alienante. Feuerbach percebendo tudo isso, vê também a religião por este ângulo. Para ele o cristianismo se confundiu com o capitalismo. Assim como o sistema tira as esperanças do homem de se apossar de seu objeto, não se reconhecendo mais naquilo que construiu, fabricou; assim também a Teologia se apossou do objeto humano, de sua essência colocando-a como uma outra diferente e oposta. Então o homem desvaloriza sua essência por não se reconhecer nela. Ele não consegue resolver seus problemas então se refugia, tomando sua essência alienada como consolação.

A influência iluminista levou Feuerbach a desenvolver seu pensamento, só que fazendo uma releitura em que percebe no homem seu caráter ilimitado, O homem é o ponto de partida de todo conhecimento, assim também, é a partir do homem que Deus é pensado. Então nessa supervalorização do homem, Feuerbach o vê como um todo, ou seja, o homem é matéria, pensamento e sensibilidade; é o real é quem pensa, sente; é nele que está toda imaginação, criação. Enfim, o homem é o sujeito da razão. Não é mais o finito no infinito, mas o infinito no finito. Na religião tudo de bom fora colocado em Deus deixando o homem pobre, em decadência. Houve uma cisão no homem, desviando todos seus valores para o além. Então Deus é a essência do homem alienado de si mesma. Aquilo que é do homem fora transformado em um ser diferente e oposto ao homem, Deus. Agora é preciso que o homem tome consciência dessa alienação, de que “Deus é apenas projeção ou reflexo que o homem faz de si mesmo” (apud ZILLES, 1991, p. l08).

Para Feuerbach a religião não assume as necessidades humanas, tenta solucioná-las com ascética, ilusoriamente causando uma alienação no homem separando-o de sua essência. O que o homem poderia resolver aqui é transportado para o além. Isso seria uma forma de acomodar o homem a não superar-se, a não construir a sociedade, a história, ficando alheio a realidade concreta que precisa de transformação. É assim que acontece essa alienação, na própria estrutura do pensamento.

Para Feuerbach esse Deus criado pelo homem é sua essência infinita, ou seja aquilo que o constitui: a razão, a vontade e o coração. Elas realizam o gênero, a própria humanidade do homem. São elas que vão dinamizar a vida do ser humano; impulsionando-o a refletir, agir e doar-se plenamente. O processo de desalienação acontece quando o homem toma consciência de sua infinitude, sabendo que não é algo estranho a ele, assim ele redescobre sua dignidade de homem. Para Feuerbach essa é a verdadeira religião.

A preocupação de Feuerbach está em negar a negação do homem. Ele não se considera ateu, pois ateu não é o que nega a Deus, mas o que nega seus atributos, e isso ele afirma não ter feito. Quando o homem destruir o que criou, Deus, sem eliminar seus predicados e se reconhecer neles, então ele não estará mais alienado. É perceptível que para Feuerbach o ateísmo é necessário para que o homem reconquiste sua essência. Não é a intenção desse pensador destruir a religião mas resgatar sua gênese que ele afirma ser antropológica.

Apesar de bons argumentos a tese de Feuerbach não se sustenta em determinado ponto, pois o que ele faz é apenas trocar Deus por outra realidade abstrata que são as perfeições, a essência que compõe o ser humano. Só que não há como constatar essa essência (espécie), não se pode ver nem pegar. Portanto, Feuerbach continuou no plano metafisico. O problema é que ele continuou idealista, superando a alienação só no pensamento e não na prática.

Podemos levar em conta na teologia a crítica de Feuerbach: “ A religião é alienação”, pois podemos realmente criar um Deus, ou imagem de Deus que poderia alienar. Se formos muitos fechados nos tornamos alienados e dessa forma a religião pode vir a ser uma ameaça a religiosidade.

Outra coisa importante é que Feuerbach deu um grande passo para a Teologia quando ele ressalta o valor antropológico, afirmando o homem. Pois a Teologia não pode afirmar nada de Deus negando o homem, sabendo que o homem é o lugar prévio.

Sendo um pouco mais ousada quero complementar o pensamento de Feuerbach quando ele diz: “Mostro então que o verdadeiro significado da teologia é a antropologia”. Pode ser complementado da seguinte forma: como também o verdadeiro significado da antropologia é a teologia. No sentido que não é possível falar do homem sem falar de Deus, como também, não é possível falar de Deus sem falar do homem. Recordo o pensamento de Rahner apresentado pelo professor Aquino que até agora me soa muito bem; quando ele expôs que o homem é a possível alteridade de Deus e Deus, enquanto se revela, se doa, se apresenta ao homem, pode-se dizer que é a possível alteridade do homem. Isso pode resumir a aliança que há entre teologia e antropologia e que não há uma objeção entre ambas.

Pensamentos contrários a Teologia não devem ser desprezados, mas analisados e compreendidos para um possível diálogo. De alguma forma eles sempre darão sua contribuição enriquecendo nosso conhecimento, nos levando a refletir e precaver sobre tantas questões, e nesse caso do referido trabalho sobre a alienação; até onde estamos alienando ou sendo alienados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Filosofia Transcendental e Religião: Ensaio sobre a filosofia da religião de Karl Rahner, São Paulo: Loyola, 1984.

SILVA, Luziene Filgueira. O Ateísmo de Feuerbach como afirmação do homem em A Essência do Cristianismo, 2008. 39p. Monografia (Bacharelado em Filosofia) — Faculdade Católica de Fortaleza.

ZILLES, Urbano. Filosofia da Religião, São Paulo: Paulus, 1991.

* Luziene Filqueira da Silva é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza. Atualmente cursa o bacharelado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).

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