O crescimento do Reino e a Misericórdia de Deus (Mt 13, 24-43)
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
A primeira parte do evangelho de hoje é dedicada à parábola do joio plantado no trigal (v. 24-30)
Narra a parábola que alguém trabalhou às claras espalhando boa semente. À noite, quando não podia ser visto, o inimigo espalhou uma semente ruim no mesmo campo. Esse detalhe é chocante, quem faria tal maldade? O joio quando ingerido causa vertigem e vômitos violentos. Até mesmo as aves ficam atordoadas ao comê-lo, pois é um entorpecente muito forte. Essa atitude do inimigo, portanto, causa indignação.
Devido aos males que pode provocar, o joio deve ser arrancado cuidadosamente e separado do trigo antes de ser moído. Por isso os homens que trabalham no campo perguntam ao proprietário se devem arrancar o joio imediatamente. E, para nossa surpresa, o proprietário ordena que somente no momento da ceifa aquela erva daninha deveria ser destruída, porque se corria o risco de arrancar o trigo ao se tentar retirar o joio.
Essa estranheza da parábola somente será compreendida na explicação dada por Jesus. Muitos intérpretes das Escrituras não notaram essa estranheza e pensaram que o joio fosse parecido com o trigo, mas o v. 26 já deixa entrever que as espigas de ambos são diferentes. Houve quem pensasse também que as raízes de ambos ficassem entrelaçadas sob o solo. Nenhuma dessas interpretações é satisfatória.
Em seguida vem a parábola da menor semente (v. 31-32). A mostarda possui uma semente pequena, mas essa não é sua principal característica. O que mais chama atenção na mostarda é a facilidade com que se espalha muito rapidamente sobre o local em que é semeada. Se Jesus destacou a pequenez da semente é porque ele está se referindo a outra coisa, a saber, o crescimento do Reino que começou de forma bem tímida com Jesus e com um resto fiel de Israel e depois se esparramou pelo mundo inteiro.
Outro elemento estranho é a afirmação de que a planta da mostarda se torna uma árvore grande o suficiente para as aves fazerem ninhos em seus ramos. Muitos intérpretes pensaram que se tratasse de um tipo desconhecido de mostarda ou que o clima de Israel favorecesse o crescimento da planta. Contudo, se trata de uma alusão a Ez 17,23 unido a Dn 4,8-12 para falar sobre o crescimento do Reino de Deus no qual as nações da terra se aninharão.
A mesma idéia aparece na parábola do fermento nas três medidas de farinha (v. 33). O Reino, pequena porção como o fermento, leveda grande quantidade de farinha. As “três medidas” são mencionadas em Gn 18,6 e trata-se do seah hebraico. Um seah equivale a mais de dois alqueires, ou seja, a 30 quilos. É incomum uma só mulher fazer pão com 90 quilos de farinha.
Para que nos deixemos surpreender pelas parábolas, que de modo algum são estorinhas para crianças, mas ensinamentos de verdades espirituais profundas, o evangelho traz uma citação do Sl 78,2 em Mt 13,34-35 com o fito de nos alertar que somente Jesus revela os mistérios do Reino, ou seja, a explicação das parábolas está em Jesus e somente nele.
Finalmente, na última parte do evangelho de hoje, formando uma moldura para as pequenas parábolas, temos a explicação da parábola do joio e do trigo (v. 36-40). Desse texto podemos destacar algumas lições que devemos aprender com a explicação dada por Jesus.
Primeiramente, o mundo não é o que geralmente pensamos, o mundo é o campo de Deus onde o Filho do Homem espalha a boa semente, onde a mostarda se esparrama e onde o fermento age. O mundo é o campo para a ação de Deus na implantação de seu Reino.
No mundo existem pessoas boas (sementes boas) e pessoas que se assemelham às ervas daninhas tentando destruir aqueles que carregam consigo os valores do Reino. Não é fácil conviver com pessoas semelhantes ao joio. Não seria melhor acabar com todo o joio da face da terra? É certo que haverá julgamento (ceifa) para todos, afirma o ensino de Jesus, mas isto compete unicamente ao Deus paciente que aguarda a transformação do pecador. Não cabe aos operários do Reino arrancar o joio antes da ceifa, esta é a função de Deus, dono do campo e da ceifa.
O trigo tem que conviver com o joio, isto significa que quem estiver seguindo o caminho de Jesus deve ter paciência com quem parece não estar se esforçando para ser bom. O que se está pedindo nessa parábola é uma atitude de misericórdia para com os pecadores.
Se não deixarmos o julgamento para Deus e tentarmos extirpar o joio, é óbvio que algum trigo vai ser perdido. Quando fazemos justiça com as próprias mãos, quando tentamos eliminar os malvados, alguns inocentes são sacrificados.
Deixemos o julgamento para Deus, pratiquemos a misericórdia. Pois toda justiça humana, apesar de necessária, para a convivência em sociedade, é sempre imperfeita como tudo que faz parte da limitação humana.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.