Por Ir. Narcélio Lima, NJ*
RETORNO ÀS ORIGENS
A palavra consagração nos vem da língua latina: a preposição cum = “com” e o adjetivo sacro = “sagrado”. A consagração, literalmente seria, portanto, aquilo que torna sagrado. Pode significar algo ou alguém que é santo/ separado. O conceito que se tem de consagração, em especial na linguagem do Antigo Testamento, é familiar ao termo hebraico kadosh (santo), ou seja, na linguagem bíblica, para se referir ao sagrado usa-se a palavra ‘santo’, portanto, vale dizer que uma coisa sagrada é uma coisa santa, não no sentido de ser melhor que tudo, mas sim no de ser “diferente”, “exclusivo”. “Não podereis servir a Javé, porque é Deus santo, é Deus ciumento, que não perdoará vossas rebeldias nem vossos pecados!” (Js 24,19). Aqui fala-se num contexto de Aliança, onde os ciúmes de Deus são a forma Dele expressar sua santidade, ele não tolera a competição nem a concorrência na entrega do amor leal, exige serviço exclusivo e total; ao não responder o povo assim, seu ciúme se inflamará e “acabará convosco depois de ter-vos feito tanto bem” (v. 20). “Agora, porém, se deveras escutais minha voz e guardais minha aliança, vós sereis MINHA PROPRIEDADE PESSOAL entre todos os povos, porque é minha toda a terra, sereis para mim um reino de SACERDOTES e uma NAÇÃO SANTA” (Ex 19,6). Existe uma relação muito íntima entre DEUS e seu POVO, daí podemos entender a ideia de pertença e consagração. Deus mostra sua soberania, dá a liberdade a esse povo e exige deste o comportamento ético, condição irrenunciável para ser sempre um povo santo, daí nasce o decálogo (dez mandamentos): para uma necessidade de testemunho público. O nome de Deus é santo, o seu santuário é santo, a cidade é santa (por isso é chamada Terra Santa), o culto, que deveria ser acompanhado de rituais de purificação, o seu ESPÍRITO SANTO, Jesus mesmo é chamado de O Santo de Deus… A sua Lei é uma lei de santidade (cf. Lv 17-26). Deus pede isso do homem: “Sede santos, porque eu, Javé, sou santo” (Lv 19,2) e ainda: “Vós, porém, vos santificareis e sereis santos, pois eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 20,7). A Lei de Santidade contempla, sem dúvida, uma relação muito estreita entre a santidade de Deus e a santidade do povo.
Para nós cristãos, ver a consagração no Novo Testamento é chegar a uma denominação fundamental, pois ele concretiza as conseqüências imediatas entre Deus, o Espírito Santo e a sua Igreja, numa relação com a vocação batismal. Nele, as realidades e mediações sacras mais importantes são transformadas pela vinda de Jesus, por exemplo: a lei, o templo, a morte (sua morte), o tempo, a palavra e os alimentos. Jesus é o cumprimento total das Escrituras e a radicalização, a maneira de superação de todos os dados revelados graças a sua “perfeição”. De agora em diante só existe uma realidade sagrada que é o CORPO DE JESUS CRISTO: “À Palavra se fez carne, e pôs sua morada entre nós, e vimos sua glória, glória que recebe do Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). Com esta audaciosa afirmação, a Igreja crê, uma vez por todas que o Corpo de Jesus Cristo é o único lugar em que se encontra Deus: “Nele reside toda plenitude da divindade corporalmente” (Cl 2,9), e os cristãos compartilham essa plenitude. JESUS É O SANTO, hosios no grego. A Igreja se dirige a Deus chamando Jesus “teu Santo” = hagion, no grego, “servo-filho-servidor” (At 4,27-30), o “Santo de Deus ” (Mc 1,24; Jo 6,69). “Assim é o Sumo Sacerdote que nos convinha: santo, inocente, incontaminado, apartado dos pecadores, elevado acima dos céus” (Hb 7,26).
Para Lucas, a santidade é traduzida por misericórdia. A santidade no sentido de perfeição está estritamente ligada a Deus, o “três vezes Santo” (cf. Is 6,3), enquanto que o conceito de Levítico 19,2 “Sede santos, porque eu, Javé, sou santo” para Lucas é entendido como “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36), o que seria uma reprodução humana do amor divino, uma aproximação de Êxodo 34,6: “Senhor, Senhor… Deus de ternura e de piedade, lento para a cólera, rico em graça e fidelidade”. Portanto, não há nada de mais característico no cristianismo como a misericórdia, uma realidade tão humana e tão divina, amenizando assim aquela imagem que muitos ainda tem de santidade como uma realidade estratosférica, muito distante da nossa e reservada para alguns “super cristãos”.
Na Bíblia, tudo se torna sacro ou consagrado quando recebe o toque do Espírito, por esse “toque”, tudo é transformado.
O HOJE DE DEUS E O NOSSO HOJE
A Modernidade foi um movimento que surgiu mais ou menos no século XII. Ela está muito ligada ao surgimento das universidades e ao espírito crítico-científico desenvolvido pelas mesmas. Daqui nasce o fenômeno da secularização. A religião não perde seu lugar, porém se torna intimista, “subordinada” aos critérios da política e da sociedade. Desenvolveu-se uma visão puramente humana e científica das coisas: o que antes era algo positivo, passa a ser um problema. Deus aqui não é esquecido, porém se dá pouco importância ao que é sagrado, o que é pior que o ateísmo (indiferença religiosa). Com a religiosidade diversificada, a busca pelas seitas e religiões orientais é concretizada pelo simples fato de que suas filosofias não exigem compromissos mais rigorosos, especialmente no lado moral. É dessa ideia que surge o que conhecemos por NOVA ERA, que busca formar uma super-religião, eliminando todas, inclusive o cristianismo. O êxodo rural, o esfacelamento da família, que dificulta a catequese cristã e a marginalização afastam as pessoas da comunidade cristã.
A Constituição de nosso Instituto (2002) traz logo em seu terceiro parágrafo, onde nosso Fundador define o Instituto, o contexto histórico-cultural de nosso tempo, situando as duas guerras mundiais, fomentadas por povos que se denominam ‘cristãos’. A Igreja da América Latina questionou a evangelização de cunho europeu e reivindicou uma evangelização concreta e específica para nossa realidade.
§4. “Desse desafio nasceu a Nova Jerusalém!”
§5. “Se bem que tem raízes cistercienses (beneditinas), A NOVA JERUSALÉM QUER SER UM INSTITUTO NOVO, PARA RESPONDER ÀS NECESSIDADES NOVAS NUM CONTINENTE NOVO”.
Na solenidade de Todos os Santos de 2006, o Santo Padre Bento XVI deixou-nos uma mensagem que poderá ajudar a compreender melhor a vocação à santidade em nossos dias. Inicia com o pensamento de São Bernardo: “Os nossos santos não precisam das nossas honras e nada recebem do nosso culto”. E continua:
“Para ser santo não é preciso realizar obras extraordinárias, nem possuir carismas excepcionais, basta simplesmente ‘servir’ Jesus, escutá-lo, segui-lo sem esmorecer perante as dificuldades (…) O exemplo dos santos é, para nós, um encorajamento a seguir os mesmos passos, a experimentar a alegria de quem confia em Deus, porque a única e verdadeira causa de tristeza e de infelicidade – para o homem – é viver longe d’Ele. (…) A santidade exige um esforço constante, mas é possível a todos porque, mais do que obra do homem, é sobretudo dom de Deus, três vezes Santo (…) Quanto mais imitamos Jesus e lhe permanecemos unidos, tanto mais entramos no mistério da santidade divina. Descobrimos que somos amados por Ele de modo infinito e isto nos leva… a amar os irmãos. (…) Tudo passa, só Deus não muda. Diz um Salmo: ‘Desfalecem a minha carne e o meu coração; mas a rocha do meu coração é Deus, é Deus a minha sorte para sempre’. Todos os cristãos, chamados à santidade, são homens e mulheres que vivem profundamente ancorados nesta Rocha; têm os pés assentes na terra, mas o coração está já no Céu, morada definitiva dos amigos de Deus”.
* Membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém, graduado em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza – FCF e graduando em Teologia pela Faculdade Diocesana de Mossoró – FDM.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________________________________________________________
CONSTITUIÇÃO: Instituto Religioso Nova Jerusalém, 2ª Ed. Fortaleza, 2002.
DICIONÁRIO TEOLÓGICO DA VIDA CONSAGRADA. São Paulo: Paulus, 1994.
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Viver os votos em tempos de pós-modernidade. São Paulo: Loyola, 2001.
PEREGO, Giacomo. Novo Testamento e vida consagrada. São Paulo: Paulus, 2010.
<http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=38668> Acesso em 30/06/2011.