O Semeador saiu a semear (Mt 13,1-23)
Aíla L. Pinheiro de Andrade, nj*
As leituras de hoje destacam os diversos modos de recepção da Palavra de Deus. O trecho do evangelho começa com a parábola do semeador (v. 3-9), destacando diversos tipos de solo onde a semente cai por acaso. A primeira parte, das sementes que foram lançadas, caiu à beira do caminho, quer dizer, onde o solo não tinha sido arado, dessa forma não pode penetrar na terra, ficando exposta aos pássaros que facilmente se alimentaram dela.
Outra parte da semente caiu onde o solo era duro e rochoso com pouca terra, de forma que as raízes não puderam penetrar embaixo da terra para sugar a umidade, isto fez com que as raízes não tivessem forças suficientes para a planta se apoiar e murchasse rapidamente sob o forte calor do sol.
Algumas sementes, continua o texto, caíram na parte do campo onde espinheiros não tinham sido totalmente tirados e destruídos. Os espinheiros cresceram junto com as plantas geradas pela semente. Eles se multiplicaram em quantidade e tamanho, sugaram os nutrientes da terra e impediram a planta de crescer, sufocando-a.
A última parte, por fim, caiu em solo apropriado para o plantio, mesmo assim a produção não foi totalmente cem por cento, conforme se esperava.
Em seguida temos a pergunta dos discípulos sobre o motivo pelo qual Jesus fala às multidões parábolas (v. 10). Jesus responde que os mistérios do reino são revelados somente para quem é discípulo dele. Dizia isto porque as parábolas eram um ensinamento enigmático, ao contrário do que se pensa, quase ninguém as compreendia. As pessoas da multidão tinham uma idéia diferente sobre o reino de Deus, elas pensavam que se tratava do domínio político de Israel sobre as outras nações. Por isso, nem mesmo os discípulos entendiam as parábolas e Jesus tinha que explica-las quando estava a sós com eles.
As multidões eram interesseiras, buscavam Jesus apenas porque queriam a solução imediata de seus problemas e, portanto, queriam obrigar Jesus a ser rei. Para elas as parábolas continuavam sendo um enigma, somente quem tinha se despojado de tudo para seguir Jesus poderia entender o enigma das parábolas quando Jesus as explicava.
Quem permanece na multidão egoísta e não passa para o grupo dos despojado (os discípulos) merece a crítica que o profeta Isaías havia feito aos seus contemporâneos rebeldes (Is 6,9; Mt 13, 14-15). Quem fez a travessia de um grupo a outro, ou seja, quem converteu o coração, merece uma bem-aventurança, pois vivem um momento privilegiado da história da salvação, graça que muitos desejaram presenciar e não lhes foi concedida.
Depois disto temos a explicação da parábola. A semente representa a palavra de Deus comunicada de várias maneiras às pessoas. Jesus é o caminho, nele Deus se revela plenamente ao ser humano; em Jesus temos acesso ao Pai. À margem do caminho, ou seja, sem uma adesão a Jesus, a palavra de Deus não é compreendida de forma profunda, não tem consistência na vida das pessoas e o maligno, representado pelos pássaros, facilmente a arrebata dos corações. É necessário estar no caminho que é Jesus, no caminho da cruz-ressurreição para que a palavra de Deus produza frutos de santidade. Somente o verdadeiro discípulo pode compreender isto, a multidão interesseira não quer saber da cruz, querem apenas “se dar bem”.
Outro tipo de pessoa que recebe a palavra do reino é aquele ouve o evangelho como algo novo e agradável, deixando-o encantado com a vida da igreja e cheio de zelo para com ela, até mesmo que com certo fanatismo. Mas seu engajamento na construção do reino de Deus não tem raízes profundas. Esse tipo de pessoa é como afirma o dito popular “é fogo de palha”, dura pouco, e sob qualquer dificuldade se escandaliza. Se é para louvar e cantar ou ter um pouco de destaque pode-se contar com esse tipo de pessoa, mas se há alguma exigência de compromisso, por menor que seja, então já não há disponibilidade.
O terceiro tipo de pessoa que recebe a palavra de Deus é constituído por aqueles que são fascinados pelas riquezas e se rendem a tudo que o mundo oferece como receita mágica de felicidade. Sucumbe à tentação para ser desonesto, enganar, tirar vantagem dos outros, oprimir etc. A palavra é sufocada por diversas vozes que impedem a consciência de ouvir os apelos de Jesus. Nesse estado de espírito, os bons sentimentos e pensamentos não têm força para resistir a vozes tão fortes.
O último tipo de pessoa é como a semente que cai em solo bom, ou seja, quando o coração se submete à influência da palavra tal e qual a semente em um campo amplo sem nada que a sufoque e sem que os raios do sol a sequem. Quando o coração retira sua seiva vital da experiência pessoal com Cristo ressuscitado. Um coração assim é como um solo no qual a palavra se desenvolve e se fortalece exuberante sob os raios da manhã e o orvalho da noite. Mesmo nestas condições, algumas pessoas não produzem totalmente os frutos esperados por Deus, frutos de santidade, justiça, paz e fraternidade.
Então, todas as sementes eram boas, todas tinham um potencial para produzir cem por cento, o problema era o solo. Isto nos leva a perguntar sobre os motivos pelos quais o semeador desperdiçou suas sementes em solos ruins. Mas, com a afirmação de que “parte da semente caiu” em tal lugar, a parábola quer dizer que não era intenção do semeador plantar em solo ruim, o semeador esperava que todas as sementes caíssem em solo bom e que produzissem cem por cento. Contudo, o semeador sabia que algumas sementes não iriam atingir seu pleno potencial, mas isto não o impediu de realizar a semeadura. Isto significa que mesmo correndo o risco de desperdiçar a semente (a palavra) o semeador deve sempre semear, o evangelizador deve sempre evangelizar.
* Aíla L. Pinheiro de Andrade é membro do Instituto Religioso Nova Jerusalém. Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica. Leciona na Faculdade Católica de Fortaleza e em diversas outras faculdades de Teologia e centros de formação pastoral.